Na temporada 17/18 – achei que nunca descreveria uma época assim se o assunto não fosse futebol – eu tive a mais incrÃvel experiência da minha vida em um intercâmbio de quase um ano em Moçambique, talvez a colônia portuguesa que menos perdeu sua essência original. Afinal, em terras africanas, não há raÃz que não batalhe para ser devidamente conservada.
Lá eu presenciei momentos mágicos e sobrevivi a aventuras insanas. O começo foi
incrivelmente complicado. Mas, natural, leva um pouco de tempo para pegar o
andamento das coisas, mais precisamente de Maputo, capital, onde eu vivi todo
esse tempo. E foi na segunda metade de minha estadia que decidi pesquisar a
vida e a história do paÃs, de sua capital e de seus personagens expoentes. E é
a partir daqui que começa a história que quero contar.
O Clã das Pretas criou um desafio
de leituras chamado ‘Pretatona’, que como o nome já diz, estipula um itinerário
de livros com protagonismo preto. Este protagonismo, definitivamente, é um
lugar de fala em que eu não entro. Mas,
presto todo meu apoio e respeito a uma causa que
envolve literatura juntamente da figura preta e feminina. Âmbitos esses que tem
minha profunda admiração. E existe alguém que precisa ser lida, e que tem uma
obra que deve ser contemplada. É uma mulher, preta, moçambicana, viva e muito
presente. Se me permitem...
Interessei-me pela história de
Paulina Chiziane quando fui convidado a participar de um espetáculo
litero-musical em Moçambique, com o ator brasileiro Expedito Araújo e com a
atriz moçambicana Melanie de Vales – atriz de um excelente filme chamado
‘Comboio de Sal e Açúcar’, outra recomendação que solto por aqui – onde
contemplávamos a obra de escritores nativos de paÃses lusófonos. Recitei um
trecho de um livro chamado ‘Balada de Amor ao Vento’, que era de uma beleza
estonteante e que me aguçou o desejo de saber e ler mais. Foi uma enxurrada de
informação que me fez ter certeza que a figura de Paulina está além de mais uma
poetisa africana. E explico.
A escritora, que hoje tem 65 anos,
é uma das maiores e melhores manipuladoras da lÃngua portuguesa, talento recebido
por um completo acaso. Quando nasceu em Maputo, na época chamada Lourenço
Marques, falava os dialetos usados na época: Chope, Ronga e o mais popular
deles, Changana. Aprendeu a herança dos portugueses em uma escola religiosa –
atividade obrigatória no perÃodo colonial – e a curiosidade a levou ao curso de
linguÃstica da Universidade Eduardo Mondlane, faculdade mais popular do paÃs. E
é dado o inÃcio a uma juventude de lutas! Paulina foi uma das primeiras e
poucas mulheres a se associarem a uma frente polÃtica e teve coragem para se
desvincular da mesma quando achou que devia, mesmo contra pressão dos
companheiros de partido.
Na polÃtica ou fora dela, sua luta sempre foi a favor
da liberdade feminina e de que a poligamia deveria ser normalizada não só para
homens (que quando não a fazia legalmente, fazia ilegalmente). Dessa batalha
surgiu o seu maior filho: Niketche – Uma História de Poligamia. Ganhei este
livro no natal que passei por lá, de um amigo também brasileiro. E foi, sem
duvida, a leitura mais significativa que me passou os olhos. E digo isso
literalmente, pois são ‘signos’ ou ‘sÃmbolos’ as maiores referências nessa
escrita densa de Paulina. Simbologia que já começam pelo tÃtulo: Niketche é uma
dança popular do norte do paÃs, que ela mesma descreveu como ‘a dança do sol e
da lua’. A narrativa nos entrega uma relação, claro, poligâmica em que todas as
mulheres moçambicanas envolvidas representam alguma peculiaridade geográfica do
paÃs, enquanto o único personagem masculino é a representação da sociedade,
como um todo. Já conseguimos sentir por esses pontos as tonicidades que o livro
traz, não? Essa obra é um manifesto de sororidade, e um aviso de que a justiça
e a liberdade feminina precisam existir concomitantemente, e para ontem!


Paulina se aposentou em 2016 dos
livros, contos e poemas. Alegou estar cansada de ser brava em toda batalha que
lhe era dada. Extremamente compreensÃvel. Carregar o peso da liberdade da
mulher africana nas costas não deve ser fácil. A parte poética disso tudo é
saber que ela venceu guerras, por ela e por todas suas irmãs, usando como arma
não as famosas AK-47 estampadas na bandeira moçambicana, mas sim seu papel, sua
caneta, e seu português (quase) religioso.
great post!thank you for your share!Love it!
ResponderExcluirhair bundles luxhairshop
Oi Renan, tudo bem?
ResponderExcluirQue post interessante, ainda mais por trazer sua vivência lá também.
Eu não conhecia a autora, mas achei fantásticas as pautas que ela apoia. Sabemos que mulheres negras são ainda mais oprimidas, e ver obras que amplifiquem essas vozes e falem sobre suas dores é muito importante, pra que a gente possa entender melhor e abrir os olhos enquanto sociedade.
Beijos,
Priih
Infinitas Vidas
Ela usou a arma que realmente faz a diferença no mundo, né? Adorei conhecer um pouco da história dela! Obrigada por compartilhar com a gente! ♥
ResponderExcluirBeijos, Carol
www.pequenajornalista.com
Oi, tudo bem? BelÃssimo relato o seu. Abraço!
ResponderExcluirhttps://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/
adorei o post, super bacana!
ResponderExcluirBlog Entrelinhas
Oi Renan,
ResponderExcluirConfesso que não a conhecia, mas sou grata pela sua postagem, pois é o tipo de literatura e de pessoa que precisamos espalhar pelo mundo sim. E é exatamente o que você falou, podemos não ter propriedade para falar sobre certos assuntos, mas o apoiamos e o respeitamos.
beijo
http://estante-da-ale.blogspot.com/