Joel: Herói ou Vilão?

Colagem com imagens do personagem Joel do jogo "The Last Of Us" na qual confronta ele sendo bom ou mal, um com chifres de demônio e o outro com uma auréola de anjo.
Arte: Fabrício Lopes

Esse texto contém spoilers do primeiro jogo The Last of Us, inclusive seu final.

Com o recém lançamento de The Last Of Us Part II, o instagram da empresa Playstation tem utilizado muito marketing do primeiro jogo e do segundo jogo. Em um dos stories recentes da empresa a pergunta sobre o protagonista Joel sobre suas ações do primeiro jogo era o que mais chamava atenção.

Quando verifiquei pela última vez, Joel recebeu 80% dos votos como herói e 20% dos votos o consideravam vilão.

The Last of Us é um jogo exclusivo para Playstation 3 da Naugthy Dog que conta a história de Joel, um homem que vive num mundo em caos após um fungo, conhecido como Cordyceps, se espalhar e contaminar várias pessoas os transformando em criaturas medonhas após serem mordidas por outro contaminado.

É no meio desse caos que Joel recebe a missão de atravessar o país para levar uma adolescente, Ellie, para uma organização chamada Vagalume. Quando a missão se apresenta, Joel se nega e depois acaba convencido e os laços que ligam os dois vão se tornando cada vez mais estreito.

No meio dessa jornada, descobrimos que Ellie foi mordida por um dos infectados, mas não se transformou numa criatura e a intenção dos Vagalumes é usa-lá para uma cura. Quanto mais avançamos na narrativa, Ellie conta mais sobre todas as pessoas que amou e perdeu e Joel também carrega o fardo de uma perda.

Durante todo o jogo, o maior perigo não são os infectados. Os humanos que restaram lutam por sobrevivência e ao lutar por ela, as noções de certo e errado se torna uma linha muito tênue e as escolhas para sobreviver nessa linha torna a humanidade muito mais perigosa do que qualquer infectado de um paralelo zumbi.

Joel faz várias escolhas durante o jogo. Ele mata pessoas. Ele faz o possível para sobreviver, mas é o final do jogo que impactou todos.

Para se fazer uma cura, Ellie precisava morrer. Os laços que se formaram é grande demais e Joel toma a escolha de matar todas as pessoas do prédio do Vagalume e levar Ellie embora, ao ser questionado sobre o que realmente aconteceu, ele mentiu.

Ellie havia escolhido dar a vida pela cura e Joel tirou essa escolha dela.

O que isso o torna? Herói ou vilão?

Ellie e Joel
É com a cena inicial de The Last Of Us que temos um vislumbre do homem que Joel era e do homem que ele se tornou ao confrontar a perda e a luta por sobrevivência. A primeira cena apresenta o dia em que o mundo colapsou, no meio da fuga enquanto tenta salvar sua filha, soldados se espalham pela cidade para matar e tentar conter infectados e nesse caos, Joel e sua filha Sara se deparam com um soldado que recebe pelo rádio a missão de matar os dois. Mesmo nenhum deles estando infectados.

Sara morre. Joel sobrevive.

Joel perdeu sua filha anos atrás e sua vida se tornou devastada. Ele nunca mais se apegou a ninguém e ele passa os anos apenas tentando sobreviver.

A missão de Ellie e o relacionamento de ambos trouxe de volta a proteção e a relação de pai e filha que ele perdeu há tanto tempo. Em sua escolha final, ao priorizar a relação de amor que construiu com Ellie do que todas as pessoas do mundo, ele fez a escolha de buscar aquilo que tiraram dele quando tudo começou.

Uma vacina poderia ser um avanço, mas nunca uma certeza. E escolher entre a humanidade que tirou tudo dele e a garota que ele aprendeu amar como sua filha, ele escolheu essa relação. Enquanto Ellie tinha sua escolha de finalmente dar algo pela humanidade após perder todos que amava, Joel finalmente estava pronto para ser um pouco egoísta e ter alguém para amar novamente.

Ele fez uma escolha baseada em seus sentimentos, mas ele também impediu a escolha de Ellie no processo.

Num mundo tão devastado e perigoso aonde humanos não possuem mais humanidade, as duas opções de herói ou vilão parecem estar muito borradas para definir Joel. Parafraseando alguns, somos todos heróis de nossas histórias e vilões de outras.



Vanessa de Oliveira
Instagram: @nessagsr

Resenha: Sons da Fala


Título: Sons da Fala (conto)
Autora: Octavia E. Butler
Editora Morro Branco
Páginas: 33
Leia AQUI

Neste conto de Octavia E. Butler, o mundo está vivendo uma grande pandemia e a inexplicável doença está tirando a capacidade cognitiva e de comunicação das pessoas. Aqueles que ainda não foram afetados por completo, vivem em constante perigo. Em meio a essa realidade está Valerie Rye, ela ainda está sã, mas não consegue mais ler e escrever. Rye perdeu o marido e os filhos, ou seja, está completamente sozinha em meio ao caos. 

"A doença foi certeira no modo como derrubou as pessoas e como um derrame cerebral em alguns de seus sintomas. Mas era muito específica. A linguagem sempre era perdida ou severamente debilitada. Nunca era recuperada. Muitas vezes, também havia paralisia, debilidade intelectual e morte."

Por isso, antes de fazer uma loucura consigo mesma, ela decide ir até Pasadena verificar se ainda tem algum parente vivo. Quando tem a sorte de conseguir um ônibus, sua grande jornada inicia. E é após uma confusão dentro do próprio transporte que Rye conhece Obsidian, um homem que está na mesma condição que ela e que trará um pouco de esperança para o futuro da protagonista.

Como já postado aqui no blog, estamos participando da maratona literária #PRETATONA, iniciativa promovida pelo Clã das Pretas. Nós iniciamos a leitura ontem, dia 23, e tanto eu quanto a Vanessa, escolhemos este conto da Octavia para ler na categoria ficção especulativa. Cada vez mais eu tenho me interessado pelas obras da autora e não poderia me sentir mais satisfeita com essa narrativa. Octavia escreve para qualquer público, tem uma escrita gostosa e nos induz a imaginar todo o cenário com descrições nada cansativas. 

O conto também traz uma reflexão sobre o sentimento de inveja e a falta de controle quando não temos aquilo que desejamos. Quando nascemos, aprendemos que tudo que prejudica o próximo não é bom e que não podemos tomar aquilo que não é nosso, mesmo desejando muito. O que a pandemia dentro dessa história fez, além de tirar coisas importantes para o funcionamento da sociedade, foi desencadear os piores sentimentos que ao longo do tempo aprendemos ser desumano para com o próximo. A violência que provoca o caos é reflexo da inveja que os afetados pela pandemia tem daqueles que ainda conseguiram manter sua sanidade. Até que ponto podemos chegar quando nos é tirado aquilo que apreciamos? Algo para se pensar neste atual momento pandêmico em que vivemos.

Sons da Fala é um conto publicado pela Editora Morro Branco e faz parte do Projeto Cápsula, uma plataforma onde a editora disponibiliza diversos contos de forma gratuita. Para mim, essa foi uma experiência incrível e fico feliz em poder compartilhar aqui com vocês. Eu não decidi ainda se vou resenhar todas as leituras que estou fazendo nessa maratona, mas estarei (e a Vanessa também) compartilhando todas elas nas redes sociais do blog, principalmente no Instagram (@blogleiapop).

Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos

O que achamos da 2ª temporada de Coisa Mais Linda - Sem Spoilers


A produção brasileira com foco na vida difícil das mulheres nos anos 1960 (não que hoje seja fácil) e com direção dividida entre uma mulher, Julia Rezende, e dois homens (?), Hugo Prata e Caíto Ortiz, trouxe em sua segunda temporada alguma preguiça de roteiro, mas tem também novas tramas, reviravoltas e problemas sociais ainda maiores pra escancarar.

É muito difícil conseguir avaliar um trabalho como esse. Apesar de extremamente necessário, atemporal e dinâmico, algumas histórias custam a pegar no tranco pelo pouco desenvolvimento, enquanto alguns bons novos personagens são muito mal aproveitados. O roteiro parece trazer uma pressa nas resoluções que a primeira temporada não teve, e isso é bastante incompreensível, visto que todos os personagens principais da trama já estavam devidamente apresentados e todo o tempo de tela restante poderia ser unicamente para os respectivos desenrolares. Mas, não se engane. Coisa Mais Linda herda das novelas algo quase místico: A súbita vontade de não parar de assistir. É muito mágica e funcional a forma em que cada núcleo tem suas histórias entrelaçadas. E se a primeira temporada foi de revelações sobre esses mesmos fatos, a segunda temporada traz todas as resoluções dos mesmos. Deixando tudo ainda mais atraente e aguçando nossa ansiedade (não à toa, terminei toda temporada em uma noite).

Sem preguiça está o elenco! As atuações seguem muito firmes e nos conquistam cada vez mais. Exceto, pasmem, a protagonista. O roteiro fez de tudo para que a Malu de Maria Casadevall conseguisse explorar diferentes lados da sua personalidade. O resultado foi o mais do mesmo, que já vimos antes. Os destaques na área, por sua vez, também são os mesmos de sempre. Entre eles, a maior delas: Mel Lisboa. O que essa mulher faz é um show de atuação. Junto da belíssima Pathy de Jesus (Adélia), que infelizmente foi uma das mais prejudicadas com esse descuidado de roteiro. Os rapazes Alexandre Cioletti (Nelson), Ícaro Silva (Capitão) e Gustavo Machado (Roberto) são ótimas escadas e, por vezes, assumiram seus próprios protagonismos, dando o sabor agridoce perfeito para algumas sub tramas, que mesmo assim, focam com muita precisão em vários desconfortos sociais machistas. Nessa temporada, em especial, o racismo é pontuado de maneira dolorida, e por isso, extremamente assertiva. Além de, claro, todos os outros percalços e falhas da sociedade patriarcal (cujo fala nem me cabe).



Das boas continuidades, o cenário segue impecável. As cores quentes e frias sinalizam as diferentes faixas sociais de um tão dividido e discrepante Rio de Janeiro, e esse é um conceito quase infalível em diferentes películas, que segue sendo bem aplicado aqui. O figurino nunca obedeceu muito a temporalidade da série, e não acho isso um defeito. Pelo contrário: Achei um charme contrastante. E nessa temporada, os flertes com a modernidade, em especial nos figurinos das mulheres, são maiores e mais simbólicos. Tereza, por exemplo, usa roupas muito a frente do tempo, revelando sua visão sobre o feminismo na época. Malu usa tons neutros em composições despojadas, sinalizando sua procura árdua pelo auto entendimento e independência. E assim acontece com todo o elenco, de forma discreta, mas sensível.

A trilha sonora deixou de lado o exagero no estereótipo carioca, e também trouxe diferentes emoções ao todo, incluindo muito mais samba e até mesmo rock. Uma pitada de tempero refrescante na quente e batida bossa nova.

A série deixa, mais uma vez, o gosto de mais uma temporada. Sabemos que, dadas as devidas circunstâncias, muito dificilmente gravações voltarão a agenda. Ficaremos sabáticos, esperando por mais um pouco desse vício chamado Coisa Mais Linda.

Renan Augusto Dias
Instagram: @renanaugusto.dias

Maratona literária #PRETATONA

O que mais tenho lido e ouvido nas últimas semanas é a palavra “antirracismo” e o uso constante da frase da Angela Davis, “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista". Ok, ótimo! Mas o que se tem feito para ser antirracista? Só discurso na internet não muda as vidas negras lá fora, é preciso muito mais, é preciso começar com o mínimo.

Dar espaço para pessoas negras no mercado editorial também é ser antirracista, para isso, nós leitores, devemos consumir cada vez mais literatura feita por pessoas negras. Assim, o mercado começará a entender melhor a importância da negritude e representatividade. 

O Clã das Pretas fez um questionamento em seu Instagram: você consome autores negros? E mais, vocês consomem esses livros quando são publicados pelas editoras? Leem, divulgam, pagam por eles? Recomendam para outros leitores, enaltecem, dão de presente para amigos? Com essa ideia nasceu a maratona literária #Pretatona, na qual eu e a Vanessa vamos participar. 

TBR sugerida pelo Clã das Pretas (clique nas imagens para aumentar)

O objetivo é tornar esse projeto um ponto de partida para que a literatura feita e protagonizada por pessoas negras seja espalhada, além de quebrar estereótipos impostos. São cinco categorias, iniciaremos as leituras no dia 23 de junho e finalizaremos no dia 30 de julho. A Vanessa montou sua própria TBR (to be read) e eu montei a minha. Quem se interessar em participar, pode preencher o formulário (AQUI) e postar no Instagram marcando o @cladaspretas e usando a hashtag #PRETATONA

Agora vamos a nossa TBR, que também pode servir de sugestão na hora de montar a sua. 

TBR – Bruna Domingos 

1 - FICÇÃO ESPECULATIVA - 23/06 a 29/06 
Livro: Sons da Fala (conto), de Octavia Butler 
Filme: Branco Sai, Preto Fica (2014) 

2 - NACIONAL - 30/06 a 06/07 
Livro: Morte Matada, de G. G. Diniz 
Filme: Café com Canela (2017) 

3 – YA - 07/07 a 13/07 
Livro: Na hora da virada, de Angie Thomas 
Filme: O ódio que você semeia (2018) 

4 – NÃO-FICÇÃO - 14/07 a 20/07 
Livro: O feminismo é para todo mundo, de bell hooks 
Filme: A 13ª Emenda (2016) 

5 - LITERATURAS AFRICANAS - 21/07 a 27/07 
Livro: Para educar crianças feministas, Chimamanda Ngozi Adichie 
Filme: Rafiki (2018) 

DESAFIO EXTRA 
Livro: O Mundo no Black Power de Tayó, de Kiusam de Oliveira 
Filme: Cada Um Na Sua Casa (2015) 

TBR – Vanessa de Oliveira 

1 - FICÇÃO ESPECULATIVA 23/06 A 29/06 
Livro: Sons da Fala (conto), de Octavia Butler 
Filme: Branco Sai, Preto Fica 

2 - NACIONAL 30/06 A 06/07 
Livro: Entre Estantes, de Olívia Pilar 
Filme: Café com Canela 

3 - YA 07/07 a 13/07 
Livro: Filhos de Sangue e Ossos, de Tomi Adeyemi 
Filme: O Ódio que Você Semeia 

4 - QUADRINHOS 14/07 A 20/07 
Livro: Shuri, de Nnedi Okorafor 
Filme: Homem Aranha no Aranhaverso 

05 - LITERATURAS AFRICANAS 21/07 A 27/07 
Livro: Minha Irmã a Serial Killer, de Oyinkan Braithwaite
Filme: Rafiki 

DESAFIO EXTRA 
Livro: Sejamos Todos Feministas, de Chimananda Ngozi Adiche 
Filme: A 13 Emenda
Nós vamos seguir compartilhando nossas leituras no Instagram do blog (@blogleiapop), siga e compartilhe suas leituras com a gente.

Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos

Resenha: Como Se Apaixonar

Título: Como Se Apaixonar
Autora: Cecelia Ahern
Editora Novo Conceito
Páginas: 352


Embora a maioria dos leitores tenha amado P.S. Eu Te Amo, não foi nesse livro que a autora Cecelia Ahern me conquistou. Realmente gostei de todos seus livros, mas meu amor começou em Simplesmente Acontece e fiquei encantada eternamente com o livro A Lista (que se tornou meu favorito da autora).

A história desse livro se inicia quando Christine tenta fazer com que um homem chamado Simon não acabe com a própria vida, mas ela acaba falhando e o homem atira em sua própria cabeça ficando entre a vida e a morte num hospital.

Questões sobre a morte e o que leva alguém desistir da própria vida começam a borbulhar na mente de Christine e ela toma a decisão de encontrar sua própria felicidade.

Ela vive seguindo livros de autoajuda que expressam várias facetas sobre a vida desde coisas como encontrar a felicidade, demitir alguém, fazer amigos e uma lista enorme. Disposta a encontrar sua própria felicidade, ela desiste de seu casamento na qual está infeliz e vai procurar o melhor modo de viver.

O que ela não esperava é encontrar uma segunda chance para ajudar alguém a não acabar com a própria vida.

É nesse momento que encontramos um homem chamado Adam, que está prestes a pular de uma ponte quando Christine intervém e eles acabam por fazer um acordo inusitado: ela tem duas semanas até o aniversário de Adam para fazer com que ele goste de viver ou ele realmente irá acabar com a própria vida. Estando totalmente perturbada por não conseguir salvar a vida de Simon, Christine decide largar tudo e se dedicar ao máximo para fazer Adam aprender amar a vida.

Os dois começam a conviver juntos, literalmente, eles dormem no mesmo quarto e vão para todos os lugares que precisam juntos. No começo a relação de ambos é complicada e Christine utiliza de todos os seus livros de autoajuda para criar experiências na vida de Adam e assim ela vai percebendo que viver é bem mais complicado do que uma receita.

O livro segue num ritmo fluído, embora não tenha nenhuma cena de ação que nos faça correr os olhos e nem um romance dramático de encher os olhos de lágrimas. Na verdade, Cecelia Ahern, trouxe uma narrativa falando sobre viver muito mais do que se apaixonar e embora o romance vire o foco é uma coisa simples e bela de ler.

Como se Apaixonar entrou na minha lista de favoritos pela simplicidade e o drama tão bem trabalhado. Os personagens são engraçados, são únicos e cada um traz dentro da narrativa a carga certa para nos fazer querer ler mais.

Uma leitura fácil e agradável que merece uma chance, com certeza, um dos melhores livros da autora.

Vanessa de Oliveira
Instagram: @nessagsr

Anne With an E: um olhar encantador sobre o mundo

Quem assiste Anne With an E sabe que essa é, sem dúvidas, uma das melhores séries já colocada na Netflix. Baseada na obra de Lucy Maud Montgomery (Anne of Green Gables), a série foi criada por Moira Walley-Beckett, produtora e escritora de televisão canadense. Esta obra explora diversos assuntos ainda considerados tabu para o final do século XIX, quando ainda existiam costumes que impediam as pequenas cidades de evoluírem socialmente.

Anne Shirley (Amybeth McNulty) é uma orfã de 13 anos muito sonhadora, apaixonada por literatura e pela natureza, ela vive se imaginando como uma princesa ou como uma heroína para esquecer o complexo que sente em relação ao seu cabelo ruivo e corpo magricela, além do fato de assim, conseguir lidar melhor com a vida sofrida que vive dentro de um orfanato. Os seus devaneios a distraem com muita facilidade e seu amor pelo imaginário a deixa muito dramática em suas relações e desejos.

Em Green Gables, dois irmãos de meia idade, Marilla (Geraldine James) e Matthew Cuthbert (R.H. Thomson), resolvem adotar um menino para ajudá-los nos trabalhos pesados da fazenda. O que eles não esperavam é que, por engano, o orfanato enviasse uma menina de 13 anos ao invés de um rapaz. Anne está super empolgada por finalmente ter uma família, seu braço está roxo de tanto se beliscar, lembrando a si mesma que aquilo não é um sonho. Na estação de trem ela aguarda a chegada de Matthew, sua imaginação já a fez pensar em muitas coisas sobre Green Gables, um sonho se tornaria realidade.

Matthew chega na estação e não encontra ninguém que esperava, passa por Anne sem nem olhar para ela e vai conversar com o guarda, perguntando se ele não viu uma senhorita deixar o menino por ali. Mas não, o guarda responde dizendo que só ficou a garota que está sentada no banco. Então, Matt se dá conta do engano, o que poderia fazer? Deixar Anne abandonada na estação? Teria que levá-la até Marilla e juntos decidiriam os próximos passos.

Anne é uma garota sonhadora e tem uma imaginação aguçada, por isso conversa sem parar. Ela exalta cada detalhe da natureza durante o caminho, coloca nomes que soam românticos em lagos e árvores. Matthew que não é muito bom de conversa, se encanta com Anne. Ele a considera uma garota muito interessante e admira a forma da pequena órfã ver o mundo. Do caminho da estação de trem até Green Gables Anne fala sem parar, admira os locais por onde passam e diz o quão maravilhoso é estar ali com Matthew. Sua ansiedade para conhecer a nova casa aumenta a cada metro em que se aproximam da fazenda. 

E eles chegam, porém, Anne ganha um banho água fria ao se encontrar com Marilla. Ela fica muito assustada com a presença de Anne, definitivamente uma menina não era o que ela queria. Anne entra em desespero por saber que será enviada de volta ao orfanato, insiste dizendo que pode fazer qualquer trabalho para ajudá-los e que não precisa ser necessariamente um menino. Depois de muito chorar e de muitas tentativas para provar sua capacidade, Marilla decide aceitar Anne Shirley. A partir desse momento uma série de aventuras (e problemas) vão acompanhar a pequena Anne com E.

A gente também acompanha o desenvolvimento do sentimento maternal em Marilla, ela sempre teve uma vida dedicada a família, nunca se casou e nunca teve filhos. Ela dá a Anne um tratamento mais rígido, se comparar com Matthew,  mas Marilla não consegue mais enxergar sua vida sem a pequena na casa. Mesmo não a chamando de mãe, Anne ganha uma mulher que cuida e a ama como nunca foi amada em toda a sua vida.

Nossa protagonista é assombrada pelo seu passado, ficou orfã quando tinha apenas três meses de vida e sempre voltava a morar no orfanato. Anne nunca foi cuidada como filha pelas pessoas que a colocavam dentro de casa, quando conseguia ser adotada, ela era tratada como serviçal e sofria diversos tipos de abuso. De onde vem tanta imaginação e esperança? Eis o mistério, a garota nunca teve motivos reais para ter fé em um futuro feliz, mas qualquer sombra de melhora, Anne encontrava motivos para crer que tudo ficaria bem. Essa é uma das características que mais me encanta na personagem. 

Consequentemente, Anne é muito impulsiva, o medo de nunca ter uma nova oportunidade para viver algo a fazia tomar decisões ruins. Mas em outros momentos, sua impulsividade salvava pessoas, como por exemplo, quando a casa de sua colega Ruby Gillis (Kyla Matthews) pega fogo. Ao chegar no local, onde todos da cidade corriam para ajudar a apagar as chamas, Anne teve a perspicácia de observar que as janelas e portas estavam abertas, o que fazia com que o fogo se espalhasse com mais velocidade. Sem pensar duas vezes Anne entra na casa, desvia das chamas e começa a fechar tudo que encontra. O fogo perde a força.

A série tem três temporadas, nelas nós acompanhamos o envolvimento de Anne com as pessoas da pequena cidade de Avonlea. Ela supera os preconceitos de Rachel Lynde (Corrine Koslo), conhece Diana Barry (Dalila Bela), sua grande melhor amiga, começa a frequentar a escola e se apaixona por Gilbert Blythe (Lucas Jade Zumann), mesmo demorando para entender seus sentimentos. Conviver com as pessoas de Avonlea fez com que Anne enfrentasse seus complexos e superasse alguns medos. A sua inteligência e agilidade para criar histórias abriram espaços para que ela e seus amigos fossem ouvidos pela população. Na escola, ela precisa aprender a seguir regras e a lidar com comentários maldosos sobre sua aparência. Ela também aprende a superar seus próprios preconceitos ao conhecer crianças que tem diversos tipos de educação e família.

Dentre os temas mais marcantes narrados na série estão: literatura, política, racismo, liberdade de expressão, feminismo, coragem, educação, fé e amor. Cada personagem tem seu momento importante aqui, suas bagagens são muito bem discutidas e isso nos faz criar um apego gigantesco por cada episódio. A entrega dos atores em seus personagens é muito nítida, eu não consigo imaginar outra  pessoa atuando como Anne ou como Marilla, por exemplo.

Anne With an E cativa, a beleza do mundo começa a fazer sentido diante dos nossos olhos, mesmo a história se passando no século XIX. É importante entender que viver em comunidade e aceitar as diferenças é uma evolução pessoal. Mas mais do que isso, a série faz entender que todo dia é dia de aprender, todo dia é dia de aproveitar uma nova oportunidade e que não aceitar novas maneiras de pensar é regredir.

Melhores momentos para alguns leitores do blog:

1 - O que há de bom no mundo | 2ª temporada, episódio 10
Neste episódio, Srta. Stacy (Joanna Douglas) está prestes a perder o emprego como professora por simplesmente inovar em suas aulas. Ao contrário do Sr. Phillips (Stephen Tracey), Stacy ensina a prática, além da teoria. Porém, o conselho conservador começou a não gostar muito disso, juntaram algumas fofocas para reunir a comunidade e decidir o destino da professora. Enfim, os alunos criam uma série de protestos na cidade, e na noite da reunião decisiva eles entram segurando lamparinas ligadas por energia, algo nunca visto antes em Avonlea/Green Gables. Após um discurso emocionante, os alunos conseguem fazer com que a professora fique.


2 - Esforço pelo bem | 3ª temporada, episódio 7
Após uma de suas amigas sofrer calúnia na cidade, Anne escreve um artigo falando sobre assédio e a liberdade de escolha da mulher sem julgamentos. Este texto não é muito bem recebido pela comunidade e Anne sofre algumas retalhações. O conselho rouba a máquina de prensa do jornal da escola e a grande discussão do episódio é sobre a liberdade de expressão. Até quando as mulheres não terão o direito de falar e de viver como quer?


3 - Sou destemida e empoderada | 3ª temporada, episódio 5
Este é um momento doce e envolvente entre Anne e suas amigas, juntas elas montam uma fogueira e iniciam um ritual fazendo um juramento a deusa sagrada. Neste juramento, elas declaram que seus corpos pertencem somente a elas e que apenas elas escolheriam quem amar. Prometendo enaltecer seus intelectos e não deixar nenhum homem desmerecer suas capacidades.


4 - Um tesouro vindo da alma | 1ª temporada, episódio 4
Já mencionado no post, este é um dos momentos mais marcantes na série, é quando Anne salva a família de Ruby Gillis de uma tragédia maior. Neste episódio, a casa dos Gillis pega fogo e todos os moradores vizinhos começam correr para apagar. Ao chegar no local, Anne percebe que as janelas e portas da casa estão abertas e numa atitude impulsiva ela corre para fechar. Após desviar das chamas e conseguir cumprir essa missão, todos percebem que o fogo realmente diminuiu.


5 - O remorso é um veneno da vida | 1ª temporada, episódio 6
Depois de um chá da tarde desastroso com Diana, Anne é proibida de brincar com a sua melhor amiga, a Sra. Barry (Helen Johns) a considera uma péssima influência para a sua filha. Porém, uma quase tragédia faz essa situação mudar. A irmã mais nova de Diana tem uma crise de crupe enquanto seus pais estão em viagem, Diana corre para a casa de Anne em busca de ajuda. Por causa das suas experiências cuidando de crianças, Anne sabe exatamente o que fazer e consegue salvar a vida de Minnie May (Ryan Kiera Armstrong). O Sr. e a Sra. Barry mudam a visão que tem sobre Anne e pedem desculpas pelo pré-julgamento.

Se você já assistiu, diga nos comentários qual é o seu momento favorito na série, mas se ainda não viu, corra e assista. Anne With an E é um descanso neste momento tão turbulento que estamos vivendo.

Bruna Domingos 
Instagram: @brunadominngos

Resenha: Bom Dia, Sr. Mandela

Título: Bom Dia, Sr. Mandela
Autora: Zelda la Grange
Editora Novo Conceito
Páginas: 432


Bom Dia, Sr. Mandela não é um livro sobre a vida do Mandela. Se é isso que espera melhor procurar outro livro.

Entretanto, não posso ofuscar a importância dessa obra para alguém que gostaria de saber um pouquinho sobre ele e sua relação com Zelda la Grange, e como isso fez com que ela mudasse seus conceitos de vida.

Mandela fez da sua vida uma missão para tornar o mundo um lugar melhor com suas lições, suas palavras sobre preconceito e sua palavra sobre paz e igualdade. Zelda la Grange narrou em seu livro a história da sua vida, um pouco da história de Nelson Mandela e um pouco da história da África do Sul.

E o mais forte sobre essa obra é o preconceito. As notícias na televisão, jornais e todas as mídias que vemos todos os dias não conseguem demonstrar nem uma gota de como esse sentimento opressor afeta um país inteiro e o mundo. Através da narração de Zelda somos levados a compreender que o preconceito não só gera consequências como violência, mas há fatores bem piores que isso.

Zelda la Grange foi a secretária pessoal de Nelson Mandela e conta em seu livro como sua vida mudou ao conhecer esse homem. A autora foi criada no apartheid e acreditava fortemente na supremacia branca. Sua família inteira acreditava que os negros não tinham lugar no mundo e ela viveu isso na sua infância e adolescência, até que Mandela se tornou o Presidente Nelson Mandela.

A infância e a adolescência de Zelda é muito interessante para se observar, porque mostra muito como os brancos enxergavam o apartheid, principalmente como todo o preconceito se estabelece na vida dela.

Zelda resistiu muito, mas com vários impasses acabou indo trabalhar como secretária pessoal do homem que ela e sua família consideravam um terrorista. Aos poucos, enquanto sua vida pessoal e profissional se entrelaçavam na mensagem e mudanças que o presidente buscava, sua visão do mundo e suas próprias escolhas de vida começaram a ser questionadas. 

E sua vida mudou.

Tanto Zelda como as pessoas ao redor dela que viviam com ela e tinham as mesmas crenças anteriores começaram também a derrubar o preconceito.

Zelda acreditava fortemente que sua relação com Nelson Mandela se manteria profissional, quanto mais ele procurava mudanças e busca pela paz, mais eles mantinham contatos, mais ela questionava e mais respostas ele tinha para dar. Enquanto ela era sua secretária pessoal, ela também se tornou sua aluna e ele seu mentor.

Bom Dia, Sr. Mandela é uma das mais comoventes histórias que já tive oportunidade de ler. Através de uma relação de amizade, Zelda conta a história de uma mulher que nasceu no preconceito e aprendeu a enxergar o mundo com outra perspectiva.

Vanessa de Oliveira
Instagram: @nessagsr

Compre na Amazon: https://amzn.to/2MAcfSE

Tudo o que preciso dizer nesta semana: estar aqui é resistir

Nesta semana eu parei para refletir sobre o papel que estou exercendo como mulher preta e cidadã. Será que os meus textos e atitudes estão chegando em alguém? De que forma eu uso as minhas plataformas para conscientizar as pessoas? A resposta é simples, eu exerço o meu papel como mulher preta fazendo o meu trabalho, falando sobre o que é interessante ou necessário que todos saibam. Bom, como eu disse no Twitter há um tempinho, pessoas pretas estão compartilhando suas histórias todos dias, é só você parar e ler.

É realmente lamentável a necessidade de viralizar tragédias para que as pessoas se assustem com a violência que sofremos todos os dias simplesmente por existir. Caso alguém ainda não saiba, desde que o Brasil é Brasil o racismo mata e encarcera mais do que qualquer outra coisa. Livros não faltam, militantes engajados disponibilizando estudos na internet também não faltam. Então, qual é a dificuldade de procurar por eles? Qual é a dificuldade de ouvir? 

Quando ouvimos ou lemos o termo “movimento negro”, é possível imaginar um grupo de pessoas que lutam por uma causa, mas hoje é muito mais do que isso, existe uma pluralidade de pautas. Eu sou o movimento negro, as pessoas pretas são o movimento quando estão em busca dos seus sonhos e a partir disso beneficiam o seu coletivo com conhecimentos e direitos. O movimento negro no Brasil existe desde o período escravocrata, a busca pela abolição, os quilombos, as rebeliões e manifestações fazem parte da nossa história de luta. 

Isso nos permite ocupar espaços maiores para que possamos ser representados em todas as áreas. Temos pessoas que vão muito além do tema racismo e que estão sempre buscando a presença preta na cultura pop, nos games, na literatura, nos streamings, entretenimento, moda, nas profissões tradicionais e nos meios mais informais. Nos filmes e séries que assisto e nos livros que leio eu tento destacar o que melhor representa meu olhar sobre o mundo e que reflete nas minhas experiências pessoais. E quando algo não me representa, tudo bem, estou aqui para falar de tudo. Porque é isso que faço como pessoa que vive em uma sociedade, falo de TUDO. 

E apesar disso, ainda existe um receio da minha parte na hora de me expressar. Quem está sempre online sabe que a qualquer momento pode chegar alguém e invalidar todo o seu discurso por simplesmente não entender que existem outras realidades além da dele. A gente sabe que a qualquer momento uma pessoa preconceituosa pode te ofender, como vem acontecendo com tantos irmãos. 

Em um dos comentários que fiz com uma amiga sobre o documentário Becoming, concluímos que estar aqui é resistir. Esperamos que um dia a sociedade nos entenda com a mesma facilidade que entende e perdoa um opressor.

Contextualizando 
Uma semana depois de perdermos João Pedro (18/05), assassinado pela polícia enquanto brincava dentro da própria casa em São Gonçalo (RJ), Thelminha Assis encerra uma live por causa de ataques racistas em sua conta no Instagram. Um dia depois o Adriel, dono de um perfil literário, sofre ataque racista em sua rede. E então, George Floyd, de Minneapolis (EUA), é morto sufocado pela polícia depois de uma abordagem excessiva. Esse foi o estopim. 

Várias manifestações começaram em busca de justiça, os jovens pararam a cidade e esses protestos foram crescendo por todo país americano. Aqui no Brasil, tomados pelo incentivo de fora e por toda violência e má administração do governo, também iniciaram vários protestos antifascistas e antirracistas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. A mensagem principal é a mesma: justiça para aqueles que são oprimidos e mortos pelo racismo todos os dias.

Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos