Resenha: O sol é para todos

Título: O sol é para todos
Autora: Harper Lee
Editora José Olympio
Páginas: 349

O Sol é para todos, de Harper Lee, conta a história de um advogado branco que resolve defender um homem negro de uma acusação de estupro. Quem narra os acontecimentos é a pequena Scout (apelido para Louise Finch), a filha mais nova de Atticus Finch, o advogado. Scout é uma criança muito sensível e esperta para a sua idade, principalmente se levarmos em conta que naquela época (início dos anos 1930) as crianças eram criadas de uma forma mais conservadora.

Em um ambiente pacato, na cidade fictícia chamada Maycomb, no Alabama (EUA), Scout e o irmão Jem, junto com o melhor amigo deles, Dill, vivem uma rotina de ir para escola, brincar e planejar travessuras na vizinhança. Mas, o que mais chamava a atenção dos três era o vizinho Boo Radley, pois ele nunca saía de casa. Então, boa parte das encrencas que eles arrumavam envolvia a tentativa de fazer Boo dar as caras na rua. 

Na escola, Scout sofria, não só na relação entre os colegas de sala, mas também na relação com sua professora. Atticus alfabetizou o seus filhos muito cedo, mas na escola a professora não admitia a precocidade de Scout e sempre a repreendia quando a mesma tentava se mostrar mais esperta que a turma. 

Quando Atticus aceitou defender Tom Robinson, um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca, as coisas ficaram mais complicadas para essa família. Scout e Jem começaram a sofrer ataques dos colegas e a receberem olhares desagradáveis da vizinhança. Foi então que Scout começou a entender como funcionava o racismo e a intolerância perante as diferenças.

Durante a narrativa a gente percebe o amadurecimento dos personagens, e com isso, a história vai ficando cada vez mais pesada. Fica óbvio para nós que Tom é inocente, não vou entrar nos detalhes do ocorrido, mas provar a inocência diante de uma sociedade racista vai ser um trabalho árduo para Atticus Finch. 

O sol é para todos é um clássico americano publicado em 1960 que, além de vencer vários prêmios literários, também ganhou uma adaptação no cinema em 1963. O livro também pode ser interessante para os estudantes de direito, pois o julgamento narrado pela protagonista é um dos momentos mais marcantes da história. Os detalhes na defesa de Atticus e suas argumentações são momentos cativantes. 

Sempre que indico esse livro, eu gosto de ressaltar a leveza na escrita de Harper, a forma como ela desenvolve a mente de uma criança dentro da narrativa é particular e crível. Imagina ler mais 300 páginas narrada por uma criança? Acredito que tenha sido um desafio escrever, pois foi um desafio mergulhar nessa leitura. A curiosidade de Scout me lembrou a infância e como tudo parece novo, no momento em que ela começa a questionar as situações desumanas, fiquei tentando lembrar o momento em que viver em sociedade começou a ficar complicado para mim (no sentido de lidar com as diferenças e o racismo).

O momento em que Scout e Jem conhecem o bairro onde só moram pessoas pretas também é relevante, o contraste e a desigualdade social ganham espaço nessa narrativa. E juntando todas essas situações, Scout começa a se perguntar: como pode alguém se sentir no direito de subjugar o outro pelo simples fato de ser quem é? Aos poucos Scout começa a ver que tudo bem Boo Radley não ser sociável, é preciso abrir a mente para entender que cada indivíduo tem suas vivências. É um grande passo para o amadurecimento dela e de seu irmão.

Este livro é essencial e deveria ser lido por muitos, se você ainda não leu, te convido a se aventurar na mente de Louise Finch.

Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos

4 Séries de Fantasia Baseada em Livros para Você Conhecer


O mundo das séries tem gênero para todos os gostos e, como sempre, esse mundo tão cheio de ideias também tem uma pontinha no mundo dos livros. Séries de fantasia, principalmente, com suas magias, espadas, magos e dragões sempre mexeram com o imaginário de seus telespectadores.

Com a fama de Game of Thrones, mais e mais séries de fantasia começaram a surgir, como a nova adaptação da série literária Fronteiras do Universo, do escritor Phillip Pullman, trazida pela HBO como His Dark Material. 

Além dessas, existem outras ótimas séries baseadas em obras literárias. Quer conhecer? Indicamos 4 excelentes séries para você maratonar. Venha conferir:

Lemony Snicket: Desventuras em Série


Baseada no livro homônimo de Lemony Snicket e com 3 temporadas na Netflix, Desventuras em Série conta a história dos orfãs Violet, Klaus e Sunny Baudelaire. Quando um incêndio misterioso mata seus pais e destrói sua antiga casa, as crianças Baudelaire são colocadas ao cuidado de seu parente distante, o Conde Olaf. O que eles não esperam é que o tal Conde Olaf está determinado a conseguir a fortuna da família, além de esconder alguns segredos.


The Magicians


No Brasil, a série do escritor Lev Grossman veio como Os Magos e ficou conhecida como o Harry Potter adulto. Logo, o canal SyFy comprou os direitos de The Magicians e iniciou a série. A série conta a história de um grupo de estudantes que após serem recrutados para uma academia secreta, não só descobrem que as histórias sobre mágica que leram na infância é real, mas é mais perigosa do que imaginaram.



Legend of The Seeker


Baseada na série de livros A Espada da Verdade de Terry Goodkind, Legend of The Seeker tem apenas 2 temporadas e conta a história de Richard Cypher, um guia florestal, que ao ajudar a bela e misteriosa Kahlan Amnell, descobre que seu destino está ligado a de uma espada e que ele é o Seeker que precisa salvar o mundo do poderoso Darken Rahl, enquanto busca as três Caixas de Orden e entende melhor seu papel e o de Kahlan, uma confessora.



Shannara Chronicles


Baseado no livro As Pedras Élficas de Shannara, do escritor Terry Brooks, The Shannara Chronicles acompanha a história de Amberle, uma princesa élfica; Will, um híbrido de elfo e humano e a humana Eretria numa missão de salvar as Quatro Terras. A diferença aqui é que a fantasia desse universo se mistura com o nosso mundo, a história se passa milhares de anos no futuro, num momento aonde a tecnologia não existe mais e gnomos e trolls são resultados das nossas guerras nucleares. Magia surgiu após nossa quase extinção e o ser humano se tornou uma sub-espécie.


Conhecia alguma dessas séries? Já assistiu? E os livros? Leu algum?


Vanessa de Oliveira
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Resenha: Dragões de Éter - Caçadores de Bruxas

Título: Dragões de Éter - Caçadores de Bruxas
Autor: Raphael Draccon
Editora LeYa
Páginas: 438

Dragões de Éter - Caçadores de Bruxas foi um grande presente para o meu 2020, eu já tinha a obra na estante há muitos anos, mas só li em fevereiro com o clube de leitura que participo (@canseideserie). Ler livros do gênero fantasia que entregam aquilo que prometem, é sempre satisfatório.

O livro nos traz várias referências dos contos de fadas mais famosos, começando por uma das personagens principais, a Ariane Narin, ou como muitos gostam de chamar, Chapeuzinho Vermelho. A história acontece no mundo de Nova Ether, mais especificamente em Andreanne, capital do reino de Arzallum, governado por Primo Brandford e seus filhos, Axel e Anisio. Eles não são descendentes de nenhuma família nobre, mas conquistaram a confiança do povo quando Primo lutou contra as bruxas e trouxe paz ao continente.

Nesta realidade, o mundo é protegido por avatares poderosos, mas que tomam a forma de fadas para lidar com os seres humanos do continente etéreo. Na era antiga, parte dessas fadas se rebelaram e "sucumbiram às tentações com as quais deveriam apenas testar os seres escolhidos", tornando assim, grandes antagonistas dos heróis das fábulas. 

Quando essas fadas caídas deixaram de lado a magia boa e começaram a praticar a magia ruim, começaram os dias mais sombrios do reino, e assim, iniciou uma caça às bruxas liderada por Primo (depois disso, o mesmo foi reconhecido como Rei).

Anos após o ocorrido, coisas estranhas começaram acontecer novamente em Arzallum, mas agora com três personagens importantes: os irmãos João e Maria foram atraídos por uma casa toda revestida por doces e se tornaram reféns; Ariane, em uma  de suas visitas a avó, presenciou um lobo devorando a velhinha e teve seu chapéu coberto por sangue. Antes de ser a próxima refeição, ela foi salva por um caçador que passava pela redondeza, e depois desse episódio, ficou conhecida como Chapéu Vermelho. 

João e Ariane são grandes amigos e essas tragédias foram chaves para entender o que está acontecendo em Arzallum. Será que as bruxas foram realmente aniquiladas? E o mais importante, será que todas as bruxas são realmente ruins? Essas respostas eu não vou dar ou explicar aqui, aliás, qualquer detalhe a mais pode servir de spoiler e acabar com momentos importantes da leitura.

Caçadores de Bruxas é o primeiro de uma série de quatro livros, o quarto ainda não tem data de lançamento. A escrita de Raphael Draccon quebra qualquer tipo de preconceito que alguém possa ter com livros nacionais de fantasia. É cativante e o narrador conversa com você, te faz querer gravar cada momento para entender o que vem nos próximos capítulos. Ainda antes de começar a história, temos um mapa de toda Nova Ether, com seus continentes e reinos, possibilitando a noção de espaço geográfico durante a narrativa.

Neste primeiro livro, foi interessante o destaque a cultura, isso mesmo, há muitas referências literárias. O autor conseguiu dar um novo contexto a grandes personagens já existentes. Destaco também que, dentro da narrativa, é dada a importância devida ao teatro e o seu papel de contar as histórias heroicas de um povo.

Tenho algumas ressalvas, é claro, ao uso dos termos "magia branca" e "magia negra". Você deve ter notado que na resenha eu usei as palavras "boa" e "ruim", pois não me sinto confortável com as originais usadas no livro. Eu entendo que, na época do lançamento, o debate sobre o uso de palavra que faz referência pejorativa/preconceituosa à raça não era intenso como hoje, então, tanto o autor quanto a editora deixou passar. Eu não sei se essas palavras estão sendo usadas na sequência da série, mas espero que tenham mais cuidado em relação a isso. Fiquei bastante incomodada.

Para finalizar, Dragões de Éter deve ser apreciado por todos os amantes de fantasia e por quem deseja se aventurar nesse gênero. É empolgante e te faz refletir sobre você mesmo e as relações com quem está em sua volta. A empatia pelo próximo e o bem coletivo foram pontos que me tocaram durante a leitura.

Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos

Avatar: Temas e Mensagem de um Marco das Animações


No dia 21 de fevereiro de 2005, o canal Nickelodeon lançava o primeiro episódio da animação que viria a ser um dos seus maiores sucessos de público e crítica. Avatar: The Last Airbender (no Brasil, Avatar: A Lenda de Aang) rendeu 3 temporadas com 61 episódios, além de uma continuação chamada A Lenda de Korra, um filme, várias HQ's que continuam tanto o universo de Aang como o de Korra, livros, bonecos e jogos.

Criada por Bryan Konietzko e Michael DiMartino, a animação tem inspiração em animes japoneses e na cultura dos povos asiáticos, enquanto acompanhamos seus personagens em ricas histórias e temas importantes como: política, guerra, genocídio, depressão, vingança e espiritualidade.

A série ganhou tanto destaque pelo público e crítica que elogiaram seu humor, a construção de seus personagens, a forma como são tratadas seus temas,  as referências culturais entre outras coisas que ganhou vários prêmios entre eles o prêmio Peabody Award (que reconhece e premia por ano apenas 25 ou 26 mídias por sua excelência e qualidade). 

O mundo está divido em 4 nações: as Tribos da Água (norte e sul), o Reino da Terra, os Nômades do Ar e a Nação do Fogo. Nessas nações existem pessoas que podem manipular um dos 4 elementos por meio de movimentos de artes maciais chamadas de dobras. Para manter o equilíbrio do mundo e das nações, apenas uma única pessoa pode manipular os 4 elementos: o Avatar. O Avatar surge através de reencarnação sempre que o anterior morre.

A história se inicia após o último Avatar ter sumido, com isso a Nação do Fogo iniciou uma guerra na qual planeja dominar e dizimar todas as outras tribos, reinos e nações do mundo. Quando Katara e seu irmão Sokka encontram o novo Avatar: um menino de 12 anos, chamado Aang preso num iceberg há 100 anos, eles precisam ajudar esse garoto na jornada de aprender a dominar os 4 elementos e encarar o senhor do Fogo para restaurar o equilíbrio do mundo.

70 depois de A Lenda de Aang, Korra é uma adolescente de personalidade forte, cabeça quente que precisa aprender a dobra de ar. Para isso, ela viaja para Cidade República, uma metrópole com uma crescente revolução antidobradores que ameça a tranquilidade e a harmonia de dominadores e não dominadores de todas as nações. Ela conta com a ajuda dos irmãos Mako e Bolin, a inteligente Asami e seu professor filho do Avatar anterior Tenzin para ajudá-la na jornada de aprender ser um Avatar e levar o legado de Aang adiante.

Temas:

Com tópicos relevantes e uma evolução que transformou a forma como se conta história para o público infantojuvenil, A Lenda de Aang e A Lenda de Korra não teve reservas em mostrar que seu público pode lhe dar com diversos assuntos com sensibilidade.

Ao longo de Avatar A Lenda de Aang somos apresentados aos conflitos da guerra causado pela nação do fogo e enquanto Sokka e Katara ressentem que todas as pessoas daquele lugar são más, Aang tem grandes dúvidas. Apenas quando eles precisam se esconder na Nação do Fogo e fingir ser cidadãos de lá que eles conhecem a situação daquelas pessoas percebem que na guerra não há lados vencedores e que todos são afetados de alguma maneira. A guerra também mostra seus impactos no meio ambiente.

Ainda em A Lenda de Aang vemos assuntos como: genocídio, personagens deficiente como Toph que é cega. Tráfico de animais, meio ambiente, amor, perdão e espiritualidade.

Em A Lenda de Korra temos seus três vilões principais que representaram os temas na qual Korra deve equilibrar e de certa forma pode render diálogos e textos bem maiores. Igualdade, Unidade, Liberdade e Tirania. Além desses pontos, Korra teve um inimigo maior que todos esses que era: ela. Depois de alguns eventos durante a série, ela passa a ter depressão e estresse pós-traumático e lhe dar com isso para aprender ter empatia com seus inimigos e outros ao seu redor talvez seja sua maior lição. A animação também foi a primeira a ter personagens LGBTQ.

Aliás, tanto A Lenda de Aang quanto A Lenda de Korra são duas animações com muitos temas, muitas lições e o divisor de águas de animação para adultos e para crianças/jovens. Após Avatar começou surgir Steven Universe, A Hora da Aventura, entre outros.

Mensagem:

Como um marco na história das animações, Avatar continua relevante com suas continuações em HQ's tanto de A Lenda de Aang como de A Lenda de Korra que você pode conferir clicando aqui. A Netflix está em produção de um live action.

Depois de todos esses anos, com 15 anos de marco na televisão e no mundo, Avatar é responsável por tratar com responsabilidade de tantos temas para um público em transição. Tanto criança quanto jovem ou mesmo adultos enquanto sentam em suas casas e compartilham desse momento para assistir a histórias desse menino careca, dessa adolescente de cabeça quente não tem só ali um momento para ver lutas. 

Mas um belo momento para compartilhar a mensagem de que em momentos sombrios ou não é sempre a união, o amor, a amizade e a empatia pelo próximo, seja quem for é o que nos leva adiante.

Se todos programas de televisão puderem fazer isso como esse fez. Já é uma vitória.



Você conhece Avatar: A Lenda de Aang? E A Lenda de Korra? Já assistiu? Qual sua opinião sobre?

Vanessa de Oliveira
Instagram: @nessagsr

Resenha: Dom Casmurro

Título: Dom Casmurro
Autor: Machado de Assis
Editora Ciranda Cultural
Páginas: 208

Dom Casmurro é um dos maiores clássicos da literatura brasileira, ter a oportunidade de conhecer a escrita realista de Machado de Assis foi uma das melhores coisas que aconteceu comigo durante esta minha vida literária. A maior discussão que gira em torno desse livro é o possível adultério de Capitolina, ou como todos conhecem, Capitu. Depois de ler, reler e discutir com o clube de leitura (Cansei de Série), eu tirei a minha conclusão. 

Bento Santiago é um milagre, depois de uma tentativa frustrada de Dona Glória ter um filho, ela fez uma promessa: se conseguisse dar a luz a um menino, ela o colocaria em um semanário e o encaminharia para vida de padre. Porém, Dona Glória não imaginava que se arrependeria dessa promessa algum dia e Bentinho não esperava por Capitu, uma pequena garota que se tornou sua melhor amiga e primeiro amor.

"Os projetos vinham do tempo em que fui concebido. Tendo-lhe nascido morto o primeiro filho, minha mãe pegou-se com Deus para que o segundo vingasse, prometendo, se fosse varão, metê-lo na igreja" Pg. 22

E agora? Como se livrar dessa promessa para poder se casar com a mulher que amava? O livro é narrado sob a ótica de Bentinho e em curtos capítulos ele narra a sua infância até o momento em que se torna Dom Casmurro, apelido que faz referência a sua personalidade de homem calado e metido consigo.

Junto com Capitu, Bentinho tenta encontrar várias formas de se livrar da promessa da mãe. O rapaz conversou com o agregado de sua casa, José Dias, para puxar o saco de Glória e convencê-la a desistir da promessa, mas não teve jeito, Bentinho foi para o seminário. Lá, conheceu o seu novo melhor amigo, o Escobar. Um rapaz educado e inteligente, que não encantou apenas Bentinho, mas conquistou a confiança de toda família.

O tempo passa e após notar a aflição de Bentinho, Capitu e D. Glória (sim, mesmo não desistindo da promessa, ela seguiu arrependida, pois queria que seu único filho se casasse para dar continuidade a família), Escobar deu uma excelente ideia. Por que não adotar um rapaz e encaminhá-lo para o seminário e fazer dele um padre? Assim Bentinho ficaria livre para se casar e Dona Glória pagaria sua promessa.

A igreja aprovou a ideia e assim aconteceu, Bentinho ficou livre para casar e foi viver seu grande amor com Capitu.

Fatos
Bentinho sempre teve um olhar bem intenso em relação a Capitu, ele a idealizava de uma forma muito suspeita, na minha visão. Para ele, Capitu era uma moça forte, decidida e que conseguia tudo o que queria, as vezes nos faz acreditar que ela podia manipular qualquer pessoa. Isso se torna perigoso na hora de julgar o que aconteceu de fato até o fim da história.

Durante a narrativa, alguns comportamentos do protagonista me despertaram desconfiança na veracidade de sua ótica sobre as situações. Bentinho, vez ou outra, demonstrava um ciúmes doentio e egoísmo nas suas relações. Por causa da sua insegurança, sempre exigiu atenção exclusiva de Capitu e começava a ter paranoias se ela olhasse para outra pessoa. Será que dá para confiar em alguém assim?

"Foi justamente por ocasião de uma lição de astronomia, à Praia da Glória. Sabes que alguma vez a fiz cochilar um pouco. Uma noite perdeu-se em fitar o mar, com tal força e concentração, que me deu ciúmes.
- Tu não me ouve, Capitu!
- Eu? Ouço perfeitamente.
- O que é que eu dizia?"
Pg. 146

Casamento e o fim
Capitu e Bentinho se casaram, logo depois Escobar se casa com a  melhor amiga de Capitu, uma moça chamada Sancha. Os quatro viviam se encontrando, compartilhavam momentos importantes e planos para o futuro. A primeira filha de Escobar e Sancha chega e recebe o nome de Capitolina, em homenagem a Capitu. E por mais que Bentinho e sua mulher estivessem felizes por seus amigos, a chegada da pequena só aumentou o desejo dos dois de serem pais. Foram muitas tentativas até a chegada de Ezequiel, filho de Capitu e Bentinho, o nome foi uma homenagem a Escobar.

O tempo passa, o pequeno Ezequiel cresce e a relação do casal começa a ficar estranha. Bentinho se torna inseguro a cada dia e não se identifica nos comportamentos do filho. Até que uma tragédia leva a vida de Escobar e coloca em cheque o casamento do protagonista por causa de uma carta. Escobar não deixou nenhum bem material para o seu melhor amigo, mas deixou uma carta com informações sobre a paternidade de Ezequiel. Bentinho não revela o conteúdo, mas fica claro que nela diz que Capitu o traiu e o filho é fruto dessa traição.

Bento confronta Capitu, aponta as semelhanças da criança com Escobar e eles brigam, mas chega uma hora que ela o deixa falando sozinho. Para alguns esse silêncio pode confirmar a teoria da traição, mas para outros (assim como eu), demonstra o quanto Capitu estava cansada da insegurança de Bentinho. 

Teoria
Bom, eu poderia resumir a minha primeira teoria assim: Escobar sempre foi apaixonado pelo Bentinho e deixou essa carta como plano para destruir o casamento dele, mas não viveu o suficiente para ver acontecer. A relação íntima dos dois me fez refletir sobre isso várias vezes durante a leitura.  Mas há muito para analisar nas relações entre todos os personagens, desde o início fica muito claro que Bentinho nunca confiou em Capitu. Um olhar diferente da moça já o fazia pensar em mil motivos para confrontá-la. 

No capítulo 83, Bentinho descreve uma situação peculiar, o pai de Sancha aponta para o quadro da sua esposa e fala sobre como ela é parecida com Capitu. As duas não tem nenhum tipo de parentesco, mas todos concordavam que existia uma semelhança entre elas. Se você prestar bem atenção nesse momento, mais para frente poderá comparar essa situação com a de Ezequiel e Escobar. Não poderia ser uma coincidência a semelhança entre os dois para alimentar ainda mais a paranoia de Bentinho?

"Gurgel, voltando-se para a parede da sala, onde pendia um retrato de moça perguntou-me se Capitu era parecida com o retrato. Um dos costumes da minha vida foi sempre concordar com a opinião provável do meu interlocutor, desde que a matéria não me agrava, aborrece ou impõe. Antes de examinar se efetivamente Capitu era parecida com o retrato, fui respondendo que sim. Então ele disse que era o retrato da mulher dele, e que as pessoas que a conheceram diziam a mesma coisa." Pg. 119

Nesta história, nós só temos acesso a versão de Bentinho, como podemos confiar 100% na narrativa de um rapaz inseguro? Na discussão com o clube de leitura, batemos bastante nessa tecla. Assim como o personagem, o sentimento é de dúvida, o que faz parecer que Dom Casmurro só escreveu o livro para convencer a si mesmo de que tomou decisão certa ao confrontar Capitu. 

Eu, Bruna, só mudo de opinião sobre a infidelidade se um dia surgir a versão de Capitu sobre a história e a narrativa dela for ainda mais frágil que a de Bentinho. Mas há quem pensa diferente, alguns leitores acreditam que Capitu traiu Bentinho, um dos motivos é a crença de que ele poderia ser estéril. Como eu disse ali em cima, Capitu teve dificuldade para engravidar e depois de uma visita de Escobar, que supostamente era para falar de finanças (capítulo 106 - Dez libras esterlinas), Capitu descobriu a gravidez. 

Outro ponto que dá base para acreditar em Casmurro é o fato de que em nenhum momento do livro é narrado Capitu negando o fato, ela apenas desiste de conversar após uma longa discussão. O que me intriga é não sabermos o conteúdo da carta, que argumentos Escobar usou para afirmar tal coisa? A nossa única saída é analisar os detalhes da versão que Machado de Assis propõe sob a ótica de Bentinho.

A seguir, deixo aqui a breve opinião das minhas companheiras de clube de leitura sobre o livro Dom Casmurro:


"Mais de cento e vinte anos se passaram e ainda tentamos dar o veredito: Capitu traiu ou não traiu? Essa dúvida tão impecavelmente proposta pelo autor deixa um leque de possibilidades para o leitor, que vai julgar de acordo com valores e vivências pessoais. 

Eu voto sim, traiu. E me encanta ter a opção de estar errada. É um ótimo livro." - Luciana Arruda (@luzarruda)




"Acho que Bentinho em toda sua complexidade, sua falta de confiança e ciúmes como narrador me faz questionar não só o assunto principal sobre a traição de Capitu, mas também se toda narrativa ocorreu exatamente como ele contou." - Vanessa de Oliveira (@nessagsr)





Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos

10 Trilhas Sonoras de Filmes Inesquecíveis


As manifestações artísticas ganharam numerações e com ela o cinema ganhou seu tão famoso nome de sétima arte. Nomeado por Ricciotto Canudo em seu "Manifesto das Sete Artes", em 1912, o cinema ganhou seu apelo e suas transformações ao longo dos anos desde os irmãos Lumiére, ao filme mudo e ao filme 3D.

A arte ganhou suas numerações:
  • 1ª Arte: Artes sonoras (som)
  • 2ª Arte: Artes cênicas (dança)
  • 3ª Arte: Pintura (cor)
  • 4ª Arte: Escultura/Arquitetura
  • 5ª Arte: Teatro
  • 6ª Arte: Literatura (palavra)
  • 7ª Arte: Artes Audiovisuais
Você consegue imaginar o cinema atual sem suas trilhas sonoras? A sétima arte veio agregada com todas as outras artes inclusive a primeira arte e ela é tão exclusiva em alguns filmes que você consegue identificar sem estar realmente olhando na tela, não é? 

Só escutando o som ou ouvindo a letra da música. 

Resolvi trazer 10 trilhas sonoras inesquecíveis para vocês.

1. Lux Aeterna de Clint Mansell, do filme Requiem from a Dream



2. Somewhere in Time de John Barry, do filme Em Algum Lugar do Passado



3. Star Wars Theme de John Williams, do filme Guerra nas Estrelas


4. In the House, In a Heartbeat de John Murphy, do filme Extermínio


5. Superman Theme de John Williams, do filme Superman




6. Interstellar Theme de Hanz Zimmer, do filme Interestelar


7. My Heart Will Go On de Céline Dion, do filme Titanic


8. Harry Potter Theme de John Williams, do filme Harry Potter


9. Welcome to Jurassic Park de John Williams, do filme Parque dos Dinossauros


10. The Breaking of the Fellowship de Howard Shore, do filme O Senhor dos Anéis



Vocês já conheciam todos? Qual o seu preferido? 
Escreva nos comentários!


Vanessa de Oliveira
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Há 4 anos Desse Equilíbrio nascia e nos fazia renascer



Araçatuba é uma cidade, que apesar de pequena, respira arte por todos os poros. E assim como qualquer cidade, tem suas estatísticas: Segundo o DATASUS, anualmente, ocorrem em média 13 suicídios no município. E foi depois de um triste caso como esse que a Código de Conduta decidiu transformar tristeza em arte.

Desse Equilíbrio nasceu pelo telefone, antes mesmo do estopim que viria a concretizar a vontade de torná-la um clipe. Foi concebida na mesma leva que Dentro da Cabeça, outra música que ganharia posteriormente seu vídeo. E quando foi decidido que o clipe ocorreria, e que deveria ser exatamente da maneira que foi planejado, o primeiro empecilho foi financeiro. E foi com muita ajuda que a banda arrecadou um valor absurdo! Uma campanha de crowndfunding, uma espécie de vaquinha virtual, foi criada para arrecadar valores. Além disso, a própria banda doava sempre que possível, depois de ações como pedágios e arrecadação em shows. Recompensas foram entregues a todos os doadores, e no ultimo dia, a meta foi batida e ultrapassada! Os planos foram postos em prática, os próprios músicos da banda atuaram em mais de um papel, e Desse Equilíbrio nasceu, num dia 10 de Abril. Eventos aconteceram para marcar essa data de todas as formas. Arrecadação de alimentos, plantio de árvores. Foi tudo muito intenso, rápido e lindo.


Escrevo esse post no dia 11 de abril, as 22h. Até então, o clipe tem mais de 83 mil visualizações e mais de 3 mil likes. De longe, o maior sucesso da banda. Não pra menos: O clipe reuniu, entre equipe de filmagem e atores, mais de 20 pessoas. A mensagem é de amor, e nada além disso. É criada uma atmosfera que, na segunda metade do quase curta metragem, sugerem um plot twist. A intenção é provocar, e funciona. O amor que gerou toda essa história é, assim como muitos que conhecemos, fora dos padrões. Foram esses padrões que Otávio Almeida condenou na letra e na direção e roteiro do clipe.

O vídeo fez a banda alçar voos maiores: Ser finalista do EDP Live Bands, festival que levaria o grupo vencedor á Portugal. A banda ficou marcada com a mais votada da história da competição. E, não só em números, mas em reações, é notável ver o quanto ela ainda hoje provoca sentimentos em quem assiste e ainda tem espaço nos shows. Um outro fato, bem verdade que infeliz, é que a mensagem do clipe e da música ainda soam atuais. Principalmente de um ano pra cá. O que torna a obra ainda maior e ainda mais responsável por provocar mudança em tempos de cólera. Esse é o plano! Provar que é normal ter medo do futuro, mas esse medo não pode nos impedir de olhar lá fora. Quanto menos medo, mais longe alcançamos. Vamos?

Assista ao clipe, clicando aqui.


Renan Augusto Dias
Instagram: @renanaugusto.dias

Ficção x realidade: A Vida e a História de Madam C.J. Walker


A Vida e História de Madam C.J. Walker é uma minissérie de quatro episódios que estreou na Netflix no dia 20 de março deste ano. Ela conta a história da primeira mulher a ficar milionária nos Estados Unidos com a venda de produtos de beleza. 

Partindo do pressuposto que a personagem realmente existiu, podemos pensar que é uma biografia fiel, mas não é. O erro foi traduzir como "vida e história", quando na verdade foi um enredo inspirado na vida de Madam.

Enredo
Mulher negra, Sarah Walker (Octavia Spencer) era uma lavadeira casada com Charles Joseph Walker (Blair Underwood) e tinha uma filha chama A'Lelia Walker (Tiffany Haddish), fruto de seu primeiro casamento. A abolição nos EUA era algo recente, então, o racismo e a falta de oportunidade para pessoas não brancas estava no auge. Um certo dia, Addie Monroe (Carmen Ejogo), mulher para quem Sarah lavava roupa, ofereceu um produto capilar que prometia fazer os cabelos de Walker crescerem fortes e saudáveis. Este produto foi criado pela própria Addie.

Os cabelos da Sarah cresceram, ficaram fortes e ela se apaixonou por todo aquele processo de reconstrução capilar. Chegou a se oferecer para ajudar na venda do produto, pois confiava na sua habilidade de venda, mas Addie não aceitou, pois Sarah não tinha a "imagem" que ela gostaria que sua marca passasse. Aqui vale um adendo importante: Addie era uma mulher negra de pele clara e cabelos cacheados. Sarah era uma mulher negra de pele escura e cabelos crespos. Então, já sabemos que colorismo é um dos assuntos pautados durante a narrativa.

Bom, depois de ser humilhada, Sarah determinou que nunca mais lavaria a roupa de ninguém e criaria seu próprio produto para cabelo. E assim fez, pegou a formula de Addie e melhorou adicionando o uso do pente quente para deixar os cabelos mais lisos. Porém, nada seria tão fácil, a partir deste ponto, mudanças na rotina de Sarah começam a acontecer. Ela e sua família se mudam para Indianápolis, onde se estabelece como empresária e abre sua base de negócios.

Além de precisar lidar com as armações de Addie, Sarah também terá que passar por cima do racismo e do machismo para conseguir espaço no mercado. Ela será sabotada, traída e desdenhada por pessoas brancas e por pessoas que estavam do seu lado o tempo todo. Não foi um caminho fácil, mas como não é spoiler, sabemos que Sarah, ou melhor, Madam C.J. Walker consegue estabelecer a sua marca e se torna milionária. Sim, meus caros leitores, uma mulher negra foi a primeira mulher a se tornar milionária de forma independente nos EUA.

Ficção x realidade (pode conter spoiler)
Como dito ali no início, essa minissérie é inspirada na vida de Sarah Walker, portanto, não há nenhum compromisso com a história real da protagonista. Depois de assistir, eu fui pesquisar sobre Madam, pois como parte das pessoas que assistiram, eu não conhecia os detalhes sobre ela. O choque veio quando eu descobri que Addie é, na verdade, uma personagem fictícia baseada em Annie Malone, uma mulher que contribuiu bastante para a indústria da beleza naquela época (seu legado perdura até hoje). Diferente do que é retratado na minissérie, Annie não era mais clara que Sarah, então, isso nunca foi motivo de divergência entre elas.

Segundo o site Mundo Negro, tanto Sarah quanto Annie eram filhas de escravos e tinham a mesma tonalidade de pele. Porém, Annie teve mais oportunidades que Sarah para estudar e tinha uma habilidade maior em química, apesar de nunca ter feito faculdade. Sarah era vendedora de Annie, que por sua vez, foi mentora de Walker durante muito tempo. Por isso, essa intriga das duas na obra da Netflix foi bastante criticada pelos expectadores americanos. A forma superficial com que Annie foi retratada diminuiu a sua representatividade.

Eu senti falta de ver o processo de criação e utilização do produto feito por Sarah. Nas cenas em que ela conversava com as clientes, fiquei me perguntando se não seria explicado o modo de usar, etc... Eu usei química no cabelo durante um tempo, então, ver como era esse processo no início do século XX seria muito interessante. Não houve um destaque para os produtos em si, a impressão que tive foi que o atrito entre Sarah e Addie era o mais importante na história.

A forma como a filha de Sarah foi retratada na série é um outro ponto para discutir, pois faltou um pouco de profundidade. Ela acaba se envolvendo amarosamente com uma mulher, mas essa representação é apenas ficção, pois na realidade A'Lelia só relacionou com homens.

Ativismo
A riqueza de Madam ia aumentando conforme sua marca ia se consolidando no mercado, e a medida que sua  imagem crescia, ela se tornava voz de alguns movimentos sociais. Além da filantropia, Madam também ficou conhecida por levantar fundos para várias instituições que beneficiavam pessoas negras. Uma delas foi a escola de Mary McLeod Bethune para meninas negras, onde mais tarde se tornou a Universidade de Bethune-Cookman. Essa parte não é aprofundada nos quatro episódios da minissérie, mas acredito ser importante pontuar aqui neste post, até para poder incentivar a pesquisa de vocês sobre Sarah Walker.

Independente dos poréns, eu recomendo que todos tirem um tempo para ver essa minissérie, adorei conhecer a história de Madam C.J. Walker. Imagina ser uma pessoa que teve a família escravizada, viver em um país onde você não é tratado como pessoa e receber todo tipo de discriminação, mas ainda assim, conseguir realizar um sonho. Madam era a exceção da regra, mas bastante representativa, pois a vida de muitas pessoas negras mudaram a partir de sua luta.


Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos

Resenha: Esperando por Doggo

Título: Esperando por Doggo
Autora: Mark B. Mills
Editora Novo Conceito
Páginas: 224



Histórias com cachorros estão lotando cinema e livros, principalmente porque são histórias emocionantes de amizade e tragédia que se unem num drama que nos deixam em lágrimas.

Esperando por Doggo não é assim. Na verdade, o livro tem uma história leve com toques de humor que pode ser lido numa tarde e mesmo assim ser muito apreciado.

Dan acreditava que tinha uma vida feliz com Clara, sua namorada, até o dia em que ele chega em casa e encontra uma carta escrita por ela lhe dizendo que precisava ir embora. Ela utiliza algumas desculpas para o ato, além disso, Clara também lhe pede que leve Doggo (o cachorro que ela trouxe) de volta para o abrigo.

No começo, Dan fica completamente perdido. Na mente dele, o relacionamento estava bem e logo ele se casaria e o cachorro, bem... Não era exatamente o que ele queria e agora sua missão é devolver Doggo ao abrigo e essa não é uma tarefa fácil. Clara também disse que ele precisava de um novo emprego, o que lhe parece mais complicado ainda.

Doggo é um cachorro muito feio, mas também parece ser extremamente carinhoso e possuir um gênio próprio. Quando Dan leva Doggo para o abrigo e descobre que o cachorro precisa ser castrado uma troca de olhar na qual Dan parece finalmente entender faz com que ele fique com o cachorro.

Conforme a história vai avançando, Dan descobre segredos de sua família, consegue um emprego na qual leva Doggo todo dia, conhece novas pessoas, mostra interesse por algumas, começa amizade com outras e enquanto isso Doggo vai fazendo parte de cada acontecimento de sua vida e uma linda amizade é desenvolvida durante todo o livro.

A leitura desse livro é simples, uma história tranquila, a leitura é fluída. A história é sobre uma amizade de um homem perdido e um cachorro extremamente feio, mas que lhe entende de todas as formas e se torna seu melhor companheiro.

É tão lindo a relação de Dan e Doggo que o livro poderia ser escrito sem nenhum personagem. A relação de ambos é construída aos poucos, desde a estranheza até um profundo senso de amizade compreendido apenas em olhares.

Uma história simples sobre amizade que pode ser lida num dia e ainda te deixar com aquele gostinho de quero mais.

Vanessa de Oliveira
Instagram: @nessagsr

O Poço: uma reflexão sobre desigualdade

Nesta prisão, a comida é distribuída de cima para baixo. Quem está nos andares de cima come à vontade. Quem está embaixo fica com fome. Um prato cheio para uma rebelião.

Primeiro: que filme! Na minha concepção, e de muitos que vi comentando, O Poço fala sobre desigualdade, egoísmo e tudo de podre que o ser humano pode mostrar. 

Dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, o original da Netflix nos traz a história de prisioneiros que vivem em uma prisão vertical. Cada andar possui duas pessoas, e no meio deles, um buraco que permite a descida de um banquete. A dinâmica é simples: são mais de 300 andares, a comida vai descendo, para por alguns minutos em cada andar e neste momento, os presos comem o máximo que puderem. 

Conforme a bancada vai descendo, a comida vai diminuindo, quem estiver na plataforma 140, por exemplo, vai passar fome por pelo menos um mês. Importante lembrar que as pessoas vão mudando  de lugar a cada 30 dias, se hoje a dupla acordou no andar 6, no próximo mês eles podem acordar no andar 100. Nada é previsível.

Aqueles que estão acima sempre comem mais e não ligam para quem está embaixo, eles nunca falam com quem está em um lugar inferior, babam e cospem na comida e não pensam em divisão. O cenário escuro e fechado contribui no efeito de aflição que o enredo provoca, e não só isso, não há cenas externas. Você nunca sabe se é dia ou se é noite, ficamos no escuro como todos os personagens.

Personagens
O nosso protagonista é Goreng, ele não cometeu crime algum, aliás, não sabemos muito da vida dele fora do poço, a não ser sua vontade de parar de fumar e de finalizar a leitura de Dom Quixote. Ao se encontrar lá dentro, ele conhece Trimagasi, um senhor que vai explicar como que funcionam as coisas e quais são as regras. De início, Goreng tenta conversar com quem está acima para uma tentativa de conscientização, mas como eu disse, quem tá comendo bem não ouve quem está embaixo. Será que ele vai se entregar àquela realidade?

Para Trimagasi, tudo ali é muito óbvio, já absorvido pela realidade do consumo, ele sabe que o negócio é comer ou ser comido, depende de que classe você está. Goreng também vai ter que conviver com outros personagens que podem representar a consciência de classe, otimismo e até a esperança. 

Ponto de reflexão
É interessante analisar este cenário, no livro "Ética e Cidadania", de Silvio Gallo (1997), tem um trecho que ilustra bem o que assistimos. "A capacidade de transformar as vontades dos outros na sua vontade é aquilo que chamamos de poder", ou seja, vence aquele que tem mais recurso. No filme, sempre "vence" aquele que está acima ou é mais esperto, os primeiros andares recebem a comida inteira, sem bagunça, sem sujeira, sem restos. Se os outros não vão ter o mesmo privilégio, o que isso importa? Eles vão ter que se virar.

O ponto é, há comida para todos e se houvesse o sentimento de cidadania, a dupla do andar 140 comeria como a dupla do andar cinco. O que ilustra também as grandes desigualdades dos centros urbanos, onde a cidade se divide entre periferias e condomínios. Dá para tirar muitas verdades dessa história, a mensagem que mais batucou na minha cabeça foi que, o ser humano só toma decisões levando o seu interesse em consideração. As vezes, deixando de lado a ética e a empatia pelo próximo.

Para finalizar, o meu questionamento é: até que ponto alguém pode chegar, quando se encontra em um estado de vulnerabilidade?

Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos