Stupid Love e a inesgotável fonte oitentista


Não é novidade: Os anos oitenta voltaram pra ficar. Não estão mais só nos fones de ouvido. Audiovisual, moda, estética e conceitos diversos atualmente mergulham nesse poço neon, nerd e apoteoticamente tecnológico que são os 80's. E esse refresco nostálgico é lindo, mas mal estruturado. Estamos revivendo só o que querem nos mostrar, e eu explico.

Assim como a pochete, o Strokes parece ter voltado com tudo. A banda que prometeu um novo rock quando surgiu, cumpriu a promessa e é um dos estopins do que chamamos hoje de indie rock. E assim como tem acontecido com qualquer outro supergrupo, prometeram uma volta depois de longa pausa. E, seguindo o fluxo, assaltaram os anos 80. Assaltaram no sentido literal, pois o último lançamento 'Bad Decisions' tem no refrão o mais descarado plágio do ano até aqui. 'Dancing With Myself', de Billy Idol, se revira no túmulo post punk em que foi enterrada. Mas a música não é ruim! Longe disso, aliás. O clipe tem uma tematica gore baseada na televisão e no cinema de horror da época, tal qual produções famosas como Stranger Things ou It: A Coisa, muito bem feita e com crítica inteligente. Mas será que é só desse vintage mal acabado e blasé que viveu o cidadão oitentista?

Hoje mais cedo, um dos pilares da música pop atual renasceu mais viva do que nunca. Lady Gaga lançou 'Stupid Love', um mergulho subversivo no dance e na marginalidade do trash vindos da mesma época citada. Um conceito completo, audio e visual. O clipe tem referências diretas ao que surgiu nos clubes de subúrbios americanos da década, onde as minorias se encontravam e se tratavam igualmente. (Vide o episódio San Junipero de Black Mirror). Muito do que hoje é a aclamação visual do cyberpunk foi o convívio entre punks e drag queens que fugiam da repreensão nos becos suburbanos. As referências no clipe passam ainda por games, cultura asiática e afro. A textura 'mal feita', é proposital. Afinal, uma pessoa da altura de Lady Gaga não faria nada de forma mal pensada. O resumo é: Nos educaram a cultuar o conservadorismo oitentista. O que ditou moda e tendência na época, aconteceu na margem. Gaga está reverenciando as minorias em uma obra conceitual e completamente imersa em referências, e a própria minoria está negando toda sua origem e criticando uma escolha proposital e muito bem calculada, aliás.

O pop é acessível, como qualquer gênero musical. O que nos impede, então, de fugir da segregação e passar a nos questionar sobre o que realmente não gostamos ou não queremos entender?


Renan Augusto Dias
Instagram: @renanaugusto.dias

Resenha: Cuco

Título: Cuco
Autora: Julia Crouch
Editora Novo Conceito
Páginas: 464

Em Cuco, Julia Crouch nos traz a história de Rose, que leva uma vida tranquila com seu marido, Gareth, e suas filhas. Nem sempre foi assim, o casal teve momentos difíceis no casamento, mas após terminar de reformar a casa de campo, a vida deles começou a ficar mais tranquila e feliz. Gareth se tornou mais afável, as filhas ficaram cada vez mais saudáveis e educadas e o convívio social satisfatório. 

Num certo dia, Rose recebe uma notícia inesperada, o marido da sua melhor amiga de infância, Polly, faleceu em um acidente de carro. Sem pensar duas vezes, Rose chama Polly e os filhos para passarem um tempo em sua casa, contrariando a vontade de Gareth. 

Bom, como já está escrito na capa do livro: seu primeiro erro foi convidá-la a entrar. 

Polly é uma cantora que viveu seus dias de glória, mas o consumo de drogas e os problemas psicológicos a afastaram dos palcos. As duas amigas sempre compartilharam uma vida conturbada, Rose não era amada pelos pais, sofreu abusos psicológicos e físicos, enquanto Polly tinha uma vida desregrada. 

A chegada da amiga fez com que a rotina da família de Rose mudasse completamente. De maneira sutil, Polly manipulava para que a estabilidade da casa se perdesse e comportamentos estranhos começassem a acontecer a partir de Gareth, que como dito ali em cima, ele era totalmente contra a presença de Polly na casa e agora parecia defender a permanência dela. 

Rose recebia vários sinais de que tinha algo errado e que tudo estava saindo do seu domínio. De mãe dedicada, ela passou a ser vista como neurótica e violenta. De esposa feliz, passou a ser desconfiada e paranoica. Mas nada acontecia para que alguém conseguisse tirar Polly daquela casa, Rose não tinha forças para simplesmente expulsá-la de lá, e vivia sob o tormento de que seu passado pudesse vir à tona. Ou seja, a vida de Rose estava nas mãos de Polly. 

Cuco foi o último livro que li para fechar o Desafio Leia Mulheres 2019. Eu iniciei a leitura sem colocar muita fé e graças as expectativas não criadas, eu tive várias emoções do início ao fim. Durante a leitura eu ri, chorei e senti raiva, muita raiva mesmo. 

É horrível você começar a perceber uma situação de opressão e não poder fazer nada, por isso é importante enaltecer a narrativa da autora, ela conseguiu me pegar nesse sentido. Mas, eu acredito que a Julia tenha pecado nos diálogos onde deveriam haver confrontos de igual para igual entre os personagens. A agonia de ver situações injustas não era compensada com um grande diálogo que poderia ter acontecido entre os protagonistas. 

Eu não vou entrar em detalhes, mas já vi algumas críticas negativas em relação ao final desse livro, mas eu discordo completamente de todas elas. Essa história poderia ter vários fins e cair no clichê de que o bem sempre vence o mal, mas eu só posso dizer uma coisa: o final é excelente. Não era o que eu esperava, obviamente, mas tornou a história mais próxima do que poderia acontecer se fosse a vida real. 

A leitura é rápida, são mais de 400 páginas que passam sem você perceber, tudo porque a Editora Novo Conceito caprichou na diagramação. Para quem busca uma leitura coberta de emoção e um pouco de suspense, recomendo Cuco.

Bruna Domingos
Instagra: @brunadominngos

Mais Forte que Bombas (2015)

Título Original: Louder Than Bombs
Título no Brasil: Mais Forte que Bombas
Diretor: Joachim Trier
Roteiro: Eskil Vogt e Joachim Trier
Sinopse: Uma exposição que celebra a fotógrafa Isabelle Reed três anos após sua morte prematura traz o filho mais velho dela, Jonah, de volta para a casa da família, forçando-o a passar mais tempo com seu pai Gene e seu afastado irmão mais novo Conrad do que passou em anos. Com os três sob o mesmo teto, Gene tenta desesperadamente se conectar com seus dois filhos, mas eles precisam lutar para conciliar seus sentimentos sobre a mulher da qual se lembram de maneiras tão distintas.


ALERTA DE SPOILERS!


Como lidamos com a memória de quem partiu?

Mais Forte que Bombas não se propõe a responder a essa pergunta, na verdade, o terceiro filme de Joachim Trier está interessado em mostrar como memória e a tristeza e até momentos fugazes estão entrelaçados quando pensamos em alguém que partiu. Como a mesma pessoa pode ser vista e amada de maneiras diferente por pessoas na qual ela convive.

Isabelle Reed (Isabelle Huppert) era uma famosa repórter de guerra que sofreu um acidente de carro. Três anos depois, uma exposição em sua homenagem resolve trazer seus trabalhos mais famosos, procurar por novos que ela possa ter deixado em casa e remexer em velhas feridas. O jornalista amigo de Isabelle diz para Gene (Gabriel Byrne), ex-marido de Isabelle, que irá escrever um artigo e a verdade sobre a morte da fotógrafa.

Esse é o enredo apresentado para começarmos a acompanhar de forma estilhaçada como se uma bomba tivesse sido explodido na vida dessa família. Pulando nas memórias, fragmentos e estilhaços, acompanhamos Gene (ex-marido), Jonah (filho mais velho) e Conrad (filho mais novo) lidar com as memórias de Isabelle.

Conrad (Devin Druid) não sabe que sua mãe cometeu suicídio. E Jonah (Jesse Eisenberg) e Gene parecem ter opiniões diferentes sobre contar ou não. Conrad é um adolescente no ensino médio que não consegue se conectar com o pai, ele não se conecta com muitos amigos e ele foge do clichês de adolescentes rebeldes enquanto acompanhamos sua jornada de tristeza pela perda da sua mãe e seus aprendizados sobre necessidades, desejos e segredos.

Jonah, o filho mais velho, acabou de formar uma família e também parece ter dificuldades de se conectar com sua esposa. As memórias que guarda da mãe e a descoberta de coisas que sabia dela, o faz questionar como anda suas escolhas atuais e seus fragmentos de memória de como ele realmente a enxergava.

Gene se ressentia pela mulher não poder fazer parte da família como uma família. Parte do relacionamento entre eles parecia não funcionar.

O último ponto de vista fragmentado que Mais Forte que Bombas nos apresenta é o da própria Isabelle Reed. Mesmo tendo partido e não fazendo mais parte da família, suas memórias ainda afetam fortemente aqueles que ficaram e muitas das suas ações são mostradas pelo seu ponto de vista e vemos ela era completamente diferente do que os jornais, seu marido ou mesmo seus filhos enxergavam.

Todos esses personagens navegaram em seu campo minado de ressentimentos, dor, alegria, luta e procuraram em memórias algo que pudesse lhes trazer conforto ou raiva ou qualquer sentimento que exprimisse algo pela perda.

Como estilhaços de uma bomba, de forma lenta e gradual, Mais Forte que Bombas compõe um quebra cabeça de memórias, lutos e pessoas quebradas tentando reconstruírem os laços que a formavam como família.

O filme está disponível na netflix.


Vanessa de Oliveira

Leveza, de Cecília Meireles

A poesia está em todo lugar e em tudo que desperta sentimentos no ser, por isso, ela vem se tornando cada vez mais importante dentro da minha realidade. Eu não sei você, mas toda vez que busco um pouco mais de sentimento, eu recorro às antologias poéticas. Cecília Meireles escreveu um dos poemas que mais gosto de ler e lembrar, e hoje, de forma inédita aqui no blog, vou compartilhar com vocês. 

Que possamos ser cada dia mais leves e livres em meio a esse mistério que é viver dia após dia. Cecília, ao falar sobre a leveza do pássaro, me deixa pensando sobre o que me faz ser leve como ser humano: o desejo, a felicidade, os momentos, as memórias e o estar. 

As boas recordações me deixam leve e o mistério do meu amanhã, mais leve.

Leveza 

Leve é o pássaro: 
e a sua sombra voante, 
mais leve. 

E a cascata aérea 
de sua garganta, 
mais leve. 

E o que se lembra, ouvindo-se 
deslizar seu canto, 
mais leve. 

E o desejo rápido 
desse mais antigo instante, 
mais leve. 

E a fuga invisível 
do amargo passante, 
mais leve. 

Cecília Meireles
Antologia Poética, página 68.

Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos

O reencontro de Pearl Jam com suas origens em novo single


Houve, como sempre há, quem criticasse a primeira música de trabalho do novo e revigorado Pearl Jam de 2020. "Dance of the Clairvoyants" flertava com timbres eletrônicos, guitarras oitentistas e vocal carregado de interpretação e com menos lirismo, uma das marcas do jovem Eddie Vedder. Bem, hoje essas pessoas vão precisar morder a língua.

Pela manhã, a banda preparou mais um bom spoiler do que virá em Gigaton, aguardado álbum, previsto para esse semestre. E a pesada e articulada "Superblood Wolfmoon" é uma prova de que esse é um lançamento que não está pra brincadeira e que vai almejar cargos altos em listas de Melhores do Ano.

Apesar de ainda manter o mesmo conceito de sua antecessora, "Superblood Wolfmoon" traz um flerte mais requintado: Peso, distorção, gritos e um solo de guitarra experimental e matador. Levando em consideração que os guitarristas Stone Gossard e Mike McCready são populares pela precisão, ouvir algo desajustado e lindo saindo de suas mãos é mais um indício do óbvio: Os caras souberam envelhecer.

"Superblood Wolfmoon" já está em todas as plataformas de streaming.



Renan Augusto Dias
Instagram: @renanaugusto.dias

Oslo, 31 de Agosto (2011)




Título Original: Oslo August 31st
Título no Brasil: Oslo, 31 de Agosto
Diretor: Joachim Trier
Roteiro: Eskil Vogt e Joachim Trier
Sinopse: O filme mostra um dia na vida de Anders, um jovem viciado em reabilitação, que consegue uma breve licença para deixar seu apartamento a fim de comparecer a uma entrevista de emprego e encontrar velhos amigos em Oslo.


ALERTA DE SPOILERS!

Como Reprise, Joachim Trier entrega um filme sem reviravoltas mirabolantes. Oslo, 31 de Agosto é apenas mais um filme cheio de sua melancolia característica e um pouco de esperança.

Anders (Anders Danielsen Lie) conseguiu uma entrevista de emprego e uma licença de 24 horas da sua reabilitação para sua entrevista e se reconectar com sua família e amigos. Essa oportunidade parece perfeita para visitar seu melhor amigo Thomas e nesse momento começamos a ter um vislumbre da vida de Anders.

Aos 34 anos, Anders não tem emprego há cinco anos, sua situação financeira e seus problemas com drogas obrigou seus pais a vender sua casa e mais do que reconexão com seus amigos e família, ele quer uma reconexão com sua ex-namorada que se mudou para Nova York. Assim como no começo do filme temos também o conhecimento de que Anders tem pensamentos suicidas.

Ele luta com o fato de que terá que começar sua vida novamente aos 34 anos. Aflito com as escolhas que fez, as oportunidades que perdeu, os relacionamentos que destruiu, Anders passa o dia se reconectando com pessoas do seu passado tentando encontrar alguma forma de encontrar algum pedaço que poderia fazer sentido para ele, tentando encontrar esperança. 

Conforme essas pessoas vão se entrelaçando na história de Anders, acompanhamos algo diferente do típico clichê de personagens que mudam a vida do protagonista. Na verdade, cada um dos seus amigos e familiares estão com angústias, medos, dúvidas, certezas e algumas alegrias diferentes. O que causam certa dúvida em Anders sobre qual caminho escolher.

Com paisagens e locais cada vez mais belos, Anders é apresentado ao emprego, a família, crianças e quanto mais ele se torna espectador da sua própria vida do que participante dela, suas expectativas exaltadas não correspondem ao que ele pode atender, sendo ele o próprio obstáculo para sua felicidade.

Oslo, 31 de Agosto mostra um tema delicado de forma inteligente e lírica, as vezes melancólica, mas muito sóbria. Com diálogos realistas e um final aberto para interpretações, o filme é um convite para reflexões sobre a força motriz de nossas escolhas e se realmente somos capazes de encontrarmos a felicidade plena em algum espaço de nossas vidas.

Nos livros: personagens que moldam

Qualquer pessoa que adere o hábito da leitura entende que as histórias servem para entretenimento e/ou para deixar uma reflexão. Em muito dos casos, são os personagens que nos moldam para esse entendimento, a partir do seu comportamento e de suas vivências. Por isso, é tão importante que o escritor construa personagens que possam cativar e pegar na mão do leitor para que caminhem juntos nessa jornada que chamamos de livro. 

Na minha lista de leitura, eu tive o prazer de conhecer universos que mostraram as diversas possibilidades de conhecimento, e tive que rever muito os meus conceitos enquanto cidadã inserida numa sociedade em que a diversidade não é latente. 

São tantas ideias, momentos e reflexões, que escolhi apenas quatro personagens marcantes e acentuei o que mais gostei em cada um. Foi inevitável a lista ser predominada por personagens mulheres, pois foram nelas que mais tive uma identificação e que entendi com mais facilidade suas experiências. 


Louise Finch "Scout" – O sol é para todos, de Harper Lee (Resenha)

Scout é uma criança curiosa, pergunta sobre o que não sabe e está sempre a frente dos seus colegas de sala. Ela entende que o racismo é uma das maiores brutalidades de uma sociedade quando o seu pai (advogado) aceita defender um homem negro de uma injustiça. “O sol é para todos” é narrado inteiramente por Scout, a leveza e sagacidade dessa personagem me fez sentir o que é estar viva e não aceitar uma injustiça. 

Lisa Carter – O ódio que você semeia, Angie Thomas (Resenha)

Lisa é uma mulher negra, casada, com três filhos e que mora num bairro periférico chamado Garden Heights. O motivo pelo qual eu a coloquei nesta lista é simples: resistência. Ela é uma mulher consciente de sua realidade e por isso busca proteger a família de toda forma. Para ela, é possível lutar contra a injustiça sem correr perigo de vida. Como dito na resenha do livro, ninguém luta contra algo estando morto. Lisa me lembra as mulheres negras que conheço, mulheres que batalham pela sua vida e pela vida da família. Elas fazem valer a pena cada ato de coragem. 
“Ter coragem não quer dizer que você não esteja com medo. (…) Quer dizer que você segue em frente apesar de estar com medo.” 

Raposa – O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry (Resenha)

A Raposa foi quem me fez parar e me olhar durante a leitura de "O pequeno príncipe", ela traz uma reflexão sobre o sentido de amar e a importância de cativar. Depois dessa leitura, eu comecei a entender que não bastava a gente simplesmente gostar, mas precisamos fazer valer a pena cada momento compartilhado, isso serve para qualquer tipo de relação. 


Holland – Não conte o nosso segredo, de Julie Anne Peters (Resenha)

Holland é uma personagem LGBTQ+ do livro “Não conte o nosso segredo”, coragem não foi só o que capitei dela, mas a vontade de viver o que é bom e resistir ao preconceito de quem deveria dar apoio. São as mulheres resistentes que abrem caminhos e são elas que nos inspiram a lutar junto.


Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos

Reprise (2006)

Título Original: Reprise
Título no Brasil: Começar de Novo
Diretor: Joachim Trier
Roteiro: Eskil Vogt e Joachim Trier
Sinopse: Dois jovens de 20 e tantos anos, amigos de infância, amantes de literatura e música punk, tentam ambos lançar seu primeiro livro, enviando juntos os seus escritos para uma editora. Enquanto Philip consegue obter o feito, e ganhar fama da noite para o dia, Erik tem seu escrito recusado. Philip, porém, acaba tendo problemas, já que não consegue lidar com o seu sucesso, e Erik segue em frente na tentativa de obter uma nova chance.

ALERTA DE SPOILERS!

Em seu primeiro filme, Joachim Trier brinca com um narrador e dois protagonistas. Logo de cara somos apresentados a dois amigos, Erik (Espen Klouman-Hoiner) e Phillip (Anders Danielsen Lie), enquanto eles enviam seus primeiros livros em uma caixa de correio em Oslo, na Noruega. Ao mesmo tempo uma narração começa nos dizer sobre os possíveis resultados desse acontecimento que passa por revoluções causadas pelos livros, namoradas, Dalai Lama e até suicídios.

A realidade não acaba em nenhuma daquelas possibilidades. Phillip é publicado e ganha notoriedade enquanto Erik é rejeitado. Mas a vida nunca funciona como queremos e Phillip não consegue lidar com o sucesso repentino e acaba num hospital psiquiátrico, o diagnóstico revela que parte do seu problema vem do seu relacionamento obsessivo com Kari (Viktoria Winge).

Seis meses se passam e Erik busca Phillip no hospital para reintegrar o amigo no grupo e principalmente para retornar a amizade, enquanto Erik ainda tenta escrever e publicar, acompanhamos Phillip se afastar cada vez mais dessa opção enquanto busca uma forma de redescobrir seu lugar novamente entre os amigos, família e na vida de Kari.

É o relacionamento entre Kari e Phillip que preenche as cenas emocionais do filme, enquanto Kari está tentando fortemente segurar sua identidade, ela também está ajudando Phillip redescobrir a sua. De forma dolorosa, melancólica e esperançosa os dois embarcam numa jornada de redescoberta de seus espaços na vida um do outro e o que isso significaria nos problemas de Phillip e no seguir adiante.

Ao mesmo tempo, o relacionamento de Erik, Phillip e seus amigos encontram-se em algumas zonas comuns de filmes, apresentando o grupo de amigos como perdedores e bobos. Isso é ironizado durante o filme mostrando que para amadurecer também escolhemos certas coisas vistas como bobas para adotar para nossas vidas.

Erik alcança sucesso e notoriedade quando finalmente publica seu primeiro livro, passa vergonha na TV e consegue compreender que precisa de espaço. Enquanto Phillip passa pela longa jornada de identidade.

Com tons de melancolia, esperança e leve alegria, Joachim Trier traz uma história sobre recomeços, a redescoberta da identidade e os laços que as mantém. Seja no relacionamento de Erik, Phillip e seus amigos ou mesmo no relacionamento de Phillip e Kari. Essas pessoas estão em busca de manter seus laços, de reafirmar um senso de identidade e acima de tudo recomeçar.

Reprise como o próprio nome diz ou Começar de Novo (tradução que também funciona) é um filme íntimo de crescer quando já somos adultos, sobre relacionamentos e descobrir a própria identidade. Funciona perfeitamente em seu nome sobre estarmos em constantes reprises ou recomeços para traçarmos uma melhor forma de descobrirmos quem somos e vivermos em paz com isso.


Vanessa de Oliveira

Resenha: A revolução dos bichos

Título: A revolução dos bichos
Autor: George Orwell
Editora Companhia das Letras
Páginas: 112

A Revolução dos Bichos, de George Orwell, foi uma das leituras que concluí no ano passado e que eu estava guardando para fazer resenha. Tanto a simplicidade na escrita do autor, quanto os detalhes do enredo, não deixam a desejar. 

Depois de terminar a última página, eu pude entender o porquê dessa história ser tão aclamada e considerada um clássico atemporal. A perversidade do ser humano diante do poder nunca acabou, esse livro foi publicado em 1945 e é assustador o fato de podermos encaixar essa história dentro de sociedades atuais. 

O enredo se passa na Granja do Solar, propriedade do Sr. Jones que liderava o local. Porém, com o passar do tempo os animais começaram a se cansar de toda a dominação do homem e decidiram se rebelar. À frente, estava o Porco Major, que não pôde viver a tempo de ver a revolução acontecer, mas deixou ensinamentos nomeados de Animalismo que guiariam os bichos dali em diante. 

Os sete mandamentos dos bichos 
1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é um inimigo; 
2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo; 
3. Nenhum animal usará roupas; 
4. Nenhum animal dormirá em cama; 
5. Nenhum animal beberá álcool; 
6. Nenhum animal matará outro animal;
7. Todos os animais são iguais.

Após expulsarem o Sr. Jones, a granja passou a se chamar Granja dos Bichos e nas novas leis, todos eram considerados iguais, mas, alguns eram mais iguais que outros. Os porcos sempre foram vistos como os mais inteligentes, por isso se mantiveram na liderança dentro da revolução. 

Tudo parecia caminhar muito bem após a expulsão dos humanos da fazenda, a liberdade parecia ser real, os porcos aprenderam a ler e a escrever e foram se tornando cada vez mais fortes. O porco Bola de Neve estava no comando e tinha várias ideias interessantes para o desenvolvimento do local e tinha uma boa administração, mas haviam porcos que não estavam tão felizes assim com tudo isso e começaram uma campanha contra as ideias do Bola de Neve. Quando surgiu o plano de construir um moinho para facilitar o trabalho dos bichos, o porco Napoleão foi contra. Em uma nova eleição para escolherem um novo líder, Napoleão arma uma cilada para Bola de Neve, o expulsa da fazenda e o taxa de traidor por abandonar a todos. 

Agora, Napoleão é o novo líder e sem que os animais percebessem, ele começou a se tornar um ditador. Estava sempre protegido por cães ferozes, exigia cada vez mais trabalho dos bichos, que por sua vez, tinham menos tempo para descanso. Aproveitando da ignorância de todos, Napoleão iniciou, de maneira sutil, uma mudança nos mandamentos do Animalismo. O que era proibido, para ele se tornou uma regra flexível e de um líder acessível, acabou se tornando uma espécie de sábio intocável. Os animais começaram a viver uma nova ditadura e nem sequer entendiam, eram escravos da própria ignorância. 

Toda essa história faz crítica ao mito soviético que George Orwell observou na época, Bola de Neve representava o que o bom socialismo deveria ser e Napoleão representava o que não deveria acontecer, mas que infelizmente ocorria em alguns países que tinham esse regime como influência. 

É importante destacar a genialidade do autor em descrever a personalidade dos bichos dentro da granja, cada um representava um arquétipo de cidadão que era dominado por esses governos. Existia o que confiava em tudo que o líder falava, o que era desconfiado, mas não se atrevia em bater de frente e os que se revoltavam e pagavam um alto preço por não ter apoio suficiente dos outros bichos. 

Essas descrições são familiares, não são? 

Em cada palavra desse livro você sente a ironia do autor, as vezes é sútil e as vezes você até ri, não porque é engraçado, mas porque é desesperador ver a facilidade que uma sociedade tem de acreditar em certas mentiras quando convém. Entendo agora porque essa leitura sempre pareceu tão obrigatória, George explicou de forma simples como um regime totalitário acontece. Serve para todos.
“A vida de um animal é feita de miséria e escravidão: essa é a verdade nua e crua.”

Bruna Domingos
Instagram: @brunadominngos

A Subjetividade das obras de Joachim Trier

Foto por: The Last Magazine

Joachim Trier é um roteirista e diretor norueguês com grande destaque no mundo do cinema desde o lançamento do seu primeiro longa metragem, Reprise (no Brasil, Começar de Novo - 2006). Trier tem chamado a atenção por histórias subjetivas sobre a complexidade humana e suas relações.

O sentimento de pertencimento ou não pertencimento, solidão, sensação de isolamento e desolação enquanto a alegria é construída em momentos genuínos é permeada por todas as obras do diretor. Isso pode ser facilmente encontrada em sua obra Reprise (2006), Oslo 31 de Agosto (2011), Mais Forte que Bombas (2015) e em pedaços de Thelma (2017).

Trier é um dos cineastas mais emocionantes que está moldando a construção do cinema moderno. Reprise ganhou o estimado Discovery Award do TIFF (Tororonto International Film Festival), os dois filmes seguintes de sua carreira estrearam no Festival de Cannes, o principal festival de cinema do mundo. Reprise e Thelma foram a principal escolha da Noruega para o Oscar em Melhor Filme para Língua Estrangeira. Assim como ganhou como Melhor Diretor do Amanda Awards - equivalente ao Oscar da Noruega - por seus três primeiros filmes e Eili Harboe de melhor atriz em Thelma no Mar del Plata Film Festival.

O New York Times continua repetindo que ele está na lista dos 20 diretores que você tem que assistir.

Enquanto dirige, todos os seus filmes são co-escritos com Eskil Vogt.

A arte cinematográfica é constantemente comparada aos livros. Muitos dizem que o cinema não consegue alcançar o lirismo da literatura, transparecer toda a subjetividade, as profundas percepções psicológicas e empatias de seus personagens para a tela ainda é um assunto discutido entre os amantes da sétima arte e os amantes das letras.

Mas esse não é um problema para Trier.

Enquanto explora personagens profundos e relações humanas, Trier traça seu próprio estilo cinematográfico que passa pelas suas inspirações francesas, o realismo social, melancolia. Ele passa por histórias melancólicas para um thriller num piscar de olhos sem deixar de explorar relações humanas e suas ligações.

Todos os seus filmes são conectados por um elemento em comum: relações. Relações entre amigos, relações entre família e principalmente relações pessoais que interferem tão profundamente no modo de como esses personagens encaram suas realidades e suas adversidades, suas dores, suas felicidades e seus momentos de conexão.

Deixarei a sinopse de cada uma das obras aqui embaixo e continuem acompanhando o blog, porque estarei fazendo uma análise de cada uma dessas obras nas próximas semanas.

Reprise (2006)


Dois jovens de 20 e tantos anos, amigos de infância, amantes de literatura e música punk, tentam ambos lançar seu primeiro livro, enviando juntos os seus escritos para uma editora. Enquanto Philip consegue obter o feito, e ganhar fama da noite para o dia, Erik tem seu escrito recusado. Philip, porém, acaba tendo problemas, já que não consegue lidar com o seu sucesso, e Erik segue em frente na tentativa de obter uma nova chance.


Oslo, 31 de Agosto (2011)

O filme mostra um dia na vida de Anders, um jovem viciado em reabilitação, que consegue uma breve licença para deixar seu apartamento a fim de comparecer a uma entrevista de emprego e encontrar velhos amigos em Oslo.


Mais Forte que Bombas (2015)

Uma exposição que celebra a fotógrafa Isabelle Reed três anos após sua morte prematura traz o filho mais velho dela, Jonah, de volta para a casa da família, forçando-o a passar mais tempo com seu pai Gene e seu afastado irmão mais novo Conrad do que passou em anos. Com os três sob o mesmo teto, Gene tenta desesperadamente se conectar com seus dois filhos, mas eles precisam lutar para conciliar seus sentimentos sobre a mulher da qual se lembram de maneiras tão distintas.

Thelma (2017)


Thelma é uma jovem tímida que acaba de deixar a casa dos pais para estudar em Oslo, onde vive seu primeiro amor. Seu relacionamento é logo afetado pela intromissão opressiva de sua família, que com suas crenças religiosas fundamentalistas conseguem afetar a vida da jovem. Quando Thelma fica chateada, coisas estranhas começam a acontecer e esses fenômenos sobrenaturais só aumentam. Enquanto busca respostas sobre esses poderes que ela não consegue controlar, seus pais severos e religiosos se preparam para o pior.

Você encontra as criticas aqui:



Vanessa de Oliveira